Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dalila e o gigante

Acordou atrasada e se aprontou às pressas para ir trabalhar. Odiava fazer o turno da manhã, mas o patrão pedira e pedido de patrão é mais do que ordem. Não gostava do que fazia, mas tinha que fazer por uma questão de sobrevivência.

Mais uma vez lembrou-se de que quisera fazer a Faculdade de Belas Artes, mas a mãe achava que arte não era profissão, que era melhor fazer contabilidade e agora, por culpa dela, estava presa num escritório fazendo um serviço que detestava.
 
Quando os pais morreram, ela passou a morar com a irmã casada enquanto esperava pelo casamento que nunca se realizou.
Ela se dava muito bem com a irmã e o cunhado, adorava os sobrinhos, mas sonhava com um cantinho só seu.
 
O namoro (noivado?) já se arrastava por doze anos. Estava desgastado e ela nem tinha mais certeza se queria mesmo se casar com o Manuel e, pelo jeito, ele também não.
 
Que droga! Tudo na sua vida era terrivelmente monótono, rotineiro, sem graça. Àquela manhã, mais do que nunca, estava terrivelmente mal humorada. Tinha certeza de que o dia ia ser bravo, mas, não tinha outra alternativa senão sair e encaminhar-se ao seu trabalho.

Quando voltava para casa, à tarde, foi alcançada na rua por uma inesperada tempestade de verão.
 
A chuva caiu de repente, forte, acompanhada de rajadas de vento o que lhe dificultava os passos e, então, ela percebeu que alguém a cobria com um guarda-chuva.
 
Voltou-se e, assustada, viu ao seu lado, muito próximo, um homem enorme. Um gigante de mais de dois metros de altura.
 
Nossa! Um gigante! Nunca tinha visto um. Achava até que eles não existiam, que eram figuras lendárias de contos infantis.
 
Instintivamente tentou afastar-se, mas, ele, naturalmente, acostumado com as reações desse tipo, sorriu e disse:

- Deixe-me ajudá-la. Eu sou grande, mas sou manso.
Sua voz tinha algo de confortante que fez com que Dalila se tranqüilizasse e continuasse caminhando ao seu lado, embaixo de seu guarda-chuva.

Mas a tormenta aumentava e era cada vez mais difícil andar contra a enxurrada. Em breve a rua estaria alagada e Dalila começou a apavorar-se.
 
As casas comerciais fecharam as portas temendo a invasão dos transeuntes molhados.

- Que fazer?
 
De repente, havia um homem à porta semi-aberta de um bar, olhando a rua e o gigante abordou-o:

- Podemos entrar?
 
Surpreendentemente, o homem afastou-se deixando-os passar e fechando a porta as suas costas. Só então Dalila pode ver bem o seu acompanhante.
 
Ele parecia muito jovem, quase um menino. Tinha cabelos alourados, olhos bonitos e um largo sorriso. Podia ser um belo rapaz. Que judiação!
Mas ele não lhe deu muito tempo para reflexões. Começou logo a tagarelar:

- Meu nome é Yvan, mas não sou "o terrível", muito pelo contrário, sou um fracote que mal agüenta com seu próprio peso, tenho 22 anos, solteiro e...
 
Com um gesto largo mostrou seu corpo disforme. Ela não pode deixar de sorrir:
 
- Eu me chamo Dalila... 35 anos, solteira ...

- Muito prazer, Dalila!

Eu estou muito feliz, hoje, pois acabo de saber que fui aprovado no vestibular de medicina.

- Parabéns! Quer dizer que daqui a seis anos teremos mais um profissional da saúde?
 
Ele dá uma gargalhada:

- Provavelmente, nem entrarei na Faculdade. Há quinze meses atrás, o médico me deu um ano de perspectiva de vida. Já extrapolei, mas sei que não vou muito além.

- Você me parece muito saudável. Vai viver muito ainda!

- Sei que não será assim. Os gigantes vivem muito pouco. A doença (você sabe que é uma doença?) é degenerativa e acaba com a gente em pouco tempo, mas, deixa isso pra lá. Vamos viver as alegrias de hoje e esquecer o futuro sombrio.
 
Deixe-me contar-lhe da minha última namorada:

- Nós nos encontramos em uma sala de bate papo, depois começamos a nos corresponder e a falar pelo telefone. Eu temia que ela sugerisse um encontro ao vivo, pedisse uma foto ou coisa assim, mas ela manteve-se no anonimato por muito tempo até que um dia disse que tinha uma triste revelação a me fazer, pois achava que o namoro estava evoluindo muito e ela sentia-se na obrigação de revelar-me que nunca poderíamos ser namorados de verdade porque ela era... uma anã!

Riu, divertido:

- Imagine você, uma anã e eu! Ela disse que tinha setenta centímetros de altura. Menos de um terço da minha!

Passado o primeiro impacto, eu pensei:

- Por que não? Fazíamos, ambos, parte de uma minoria. Tínhamos problemas que nos impediam de sermos aceitos pelas pessoas ditas normais, mas podíamos amar dentro de nossas limitações com um amor espiritual, pois nossas almas não são gigantes nem anãs e o seu potencial de afetividade é imenso.
 
- Tudo isto eu disse a ela, mas ela n&a
Comentários