David e a sua breve vida
Não gosto de escrever sobre tragédias. As palavras ditas, ainda que escritas com muito cuidado, podem dizer o que não devia; julgar sem permissão e ferir ainda mais a culpa de todos nós.
Somos todos culpados, sim. A humanidade carrega “a dor a e a delícia de ser o que é”, e nos permite, assim, escolher outros caminhos, novas ações e, quem sabe, melhores histórias.
Por isso, sofro. Não há dor maior, se é que são mensuráveis, do que a dor da tragédia. A essa dor denomina-se compaixão. Compaixão, segundo Rubem Alves, é uma qualidade espiritual: “Eu, indivíduo não estou sofrendo. Sozinho estou feliz. Mas olho para um outro que está sofrendo: um menino sem agasalho, numa noite fria, pedindo uma moedinha, tarde da noite num semáforo. E, de repente, eu começo a sofrer um sentimento que não é meu, é do menino. Fico fora de mim. Estou no corpo do menino”.
Estou no corpo de David. Não consigo desviar meu pensamento da sua breve história de vida. Quem é mãe sabe que um menino de 10 anos representa a inteligência e a emoção essencialmente plenas. É a fase do desenvolvimento humano que a imaginação ganha asas, a curiosidade determina o interesse e a sensibilidade permite o encantamento com a vida. Cresce a vontade por aprender e a energia para descobrir o mundo... Os olhos enxergam além e as proezas são intensas.
Por algum motivo esse menino escapou de David e o fez acreditar que a sua vida não valia a pena... Por algum motivo seu desejo o impulsionou a atirar na professora, e nesse gesto tatuar com sangue o poder de um professor na vida das crianças.
Mas, essas poucas palavras não pretendem analisar os fatos ou teorizar sobre o caso. Minha tristeza não permite. Ainda que eu insista incansavelmente na importância da reflexão e do debate, e neste momento eles são essenciais ao nosso aprendizado, não acredito em fórmulas para ser feliz, em regras para o sucesso dos filhos ou conclusões moralistas. Não acredito em culpados, somos todos vítimas desta grande armadilha chamada vida.
A única certeza que defendo é a de que somos todos vulneráveis ao impossível, sujeitos às tragédias pessoais e familiares, porque somos todos humanos e não estamos prontos. Precisamos de atenção e afeto constantes nas relações escolares, pessoais, familiares e profissionais. Precisamos de escolas humanizadas, que saibam acolher os sentimentos e combater a arrogância e a indiferença.
Precisamos de meninos de 10 anos com espaço para crescer e vontade de viver. Que Deus lhe abençoe David.