Dei Filius & Pastor Aeternus
A primeira constituição dogmática aprovada no Vaticano I foi a Dei filius, sobre a fé católica. Foi apresentada em 18 de março e não levantou quase nenhuma controvérsia importante. É composta de um longo proêmio, quatro capítulos, 18 cânones com os anátemas, e um epílogo.
Seu conteúdo é de grande importância porque, a partir de uma exposição densa e luminosa da Doutrina católica sobre Deus, a Revelação e a Fé, combate os mais importantes erros do século XX: o materialismo, o racionalismo, o panteísmo, o tradicionalismo, o fideísmo, etc.
Esses erros - está escrito na constituição - nascem de correntes filosóficas que, proclamando a autonomia do indivíduo, levam a negar a idéia da intervenção de um Deus pessoal e transcendente na história humana ou concluem pela necessidade de uma compreensão totalmente nova dessa intervenção divina. Tais erros têm sua raíz na "rebelião" protestante e na teoria do livre exame. O texto conciliar proclama a fé num Deus pessoal e transcendente, que criou o mundo "por livre vontade" e sem qualquer tipo de ajuda.
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Numa sessão solene realizada em 27 de abril, os 667 padres conciliares presentes votaram sua aprovação por unanimidade, com a imediata ratificação de Pio IX. Em um mundo hostil à fé cristã, a Dei Filius pretendeu salvaguardar a caminhada do ser humano rumo a Deus, respeitando todos os componentes dessa trajetória: a revelação de Deus, a confirmação dessa palavra revelada pela autoridade da Igreja, o espaço da consciência e da inteligência de cada homem e mulher.
O documento faz emergir um equilibrado paralelo entre dogma e pesquisa científica, entre fé e experiência pessoal. Em seu conjunto, a constituição conservava um perfeito equilíbrio, típico do magistério eclesiástico, entre as tendências opostas, entre os excessos de quem exaltava e de quem deprimia muito a razão; a Igreja, acusada assim freqüentemente no século XIX de aviltar o homem, mostrava uma vez mais sua confiança nas forças humanas, embora reconhecendo e ressaltando seus limites.
Em 13 de maio foi iniciada a discussão geral da segunda constituição dogmática produzida pelo Vaticano I, a Pastor aeternus, que viria a decidir de vez a questão da infalibilidade papal. Claro que o texto versava sobre muitos outros assuntos, como a publicação de um Catecismo único. Mas foi mesmo o tema da infalibilidade que ganhou o centro das discussões.
Os debates apresentaram grande complexidade histórica, doutrinal e teológica. Chegou-se à conclusão de que a infalibilidade do Papa existe quando pronunciada "ex-cathedra", em assuntos de fé e de moral.
Somente em 18 de julho, durante um terrível furacão e no meio das mais densas trevas que de repente se abateram sobre a basílica vaticana, o documento foi aprovado por 535 dos padres conciliares presentes, depois que 55 bispos manifestaram voto de abstenção e abandonaram o Vaticano I.
Como se percebe, o assunto não era mesmo um consenso na Igreja da época. Mesmo após a proclamação do dogma da infalibilidade houve divisão entre os bispos que não quiseram participar de sua votação. Aos poucos, alguns foram aderindo à decisão conciliar. Porém, principalmente na Alemanha e na Suíça, um grupo considerável de sacerdotes e leigos abriu um cisma conhecido como dos "velhos católicos".
De qualquer modo, a Pastor aeternus é importante porque define com precisão a questão do primado petrino, favorecendo o fortalecimento da centralização da Igreja e das intervenções da Santa Sé. As tantas polêmicas a respeito do assunto, por anos a fio, fizeram com que a Igreja progredisse na reflexão do tema.