Democracia online
A evolução das manifestações virtuais pode ser um pilar mais importante do que tem se avaliado no amadurecimento da democracia tupiniquim. Durante a fase que precede a votação do Projeto Ficha Limpa, houve grande mobilização para juntar nomes que dessem corpo à petição popular para que o projeto fosse votado favoravelmente. Foram quase 2 milhões de assinaturas online, somadas a 1,6 milhão de assinaturas em papel. É uma mobilização popular bastante significativa. O juiz eleitoral Márlon Reis reconheceu a importância desta manifestação digital e apontou que ao fazer isto a população se mostrou à frente do Estado em sua atuação civil. Ele chegou a defender a oficialização do voto online para petições variadas.
Quando estive na Bolívia em outubro de 2003, um levante popular derrubou o presidente por pressão do povo. O movimento foi violento e instaurou o caos no país. Passei uma das maiores tensões da minha vida preso no meio da destruição, até que saí de lá resgatado por um avião da FAB. Não acho que uma manifestação violenta seja a resposta, mas a possibilidade que assisti de pressionar o governo pela presença física da população me mostrou uma dimensão interessante da democracia. O povo estava lá, gritando do lado de fora do Palácio Presidencial, há menos de duzentos metros de seus eleitos líderes. Agora, façamos uma pequena viagem a Brasília. Com construções gigantescas, é uma cidade criada artificialmente no meio de uma região pouquíssimo populosa, Brasília é uma afronta à democracia. É uma cidade que tem toda a sua estrutura montada para afastar o povo de seus governantes. Eu acho a cidade linda e adoro ir pra lá, mas visitar Brasília é um balde de água fria na cidadania. O tamanho da máquina pública afronta o bom senso e é quase imoral. Os espaços gigantescos tornam qualquer manifestação popular uma quase piada. Já assisti a algumas. Estive lá no auge da crise de corrupção no governo durante o mandato anterior do presidente Lula. Ministros caindo, Senadores acusados, alto escalão do Governo aparecendo em sistemas complexos de corrupção. Na TV até que a coisa parecia agitada. Mas em Brasília, tudo estava calmo. O restaurante no complexo do Senado recebia governistas e oposição num absoluto clima de cordialidade. Garçons serviam a todos num ambiente onde a crise parecia não ganhar o calor suficiente para gerar mudanças. Em Brasília, o povo não tem vez.
A Avenida Paulista lotada afeta Brasília tanto quanto um filme de guerra afeta a ordem na minha casa. Assisto a guerra pela TV comendo pipoca. É assim que, em Brasília, as manifestações populares chegam.
Por fim, a velocidade de mobilização e troca que as redes sociais trazem, podem ser um novo recurso para a democracia. Brasília não poderá isolar-se se pudermos influenciar realmente a população, e se os políticos forem, cada vez mais, pressionados a abrirem canais de diálogo com a população. Quando um garçom deixar de sorrir para um corrupto, pois ao invés de sentir-se isolado em Brasília, poderá twittar de seu celular: o cara tá aqui, de cara lavada, vejam a foto! Aí as coisas podem começar a mudar.
A opção pela vida pública deveria ser uma devoção. Uma ação movida por idealismo, consciente da dificuldade e da responsabilidade. Talvez, quando a população puder unir-se independente de onde está, poderemos exercer sobre o Governo Federal a pressão tão fundamental e saudável para uma democracia madura.