Descaso persiste em Shopping de Itu
Precisava fazer hora, deixar o tempo passar até meu próximo compromisso. Lembrei-me ter prometido enviar alguns cartões postais de Itu a uma amiga minha lá em São Paulo. Estava perto do Shopping e decidi passar lá. Fui até a banca logo na entrada e, apesar de Itu ser uma estância turística, lá não tinha cartão postal da cidade. O rapaz me informou que numa papelaria dentro do shopping eu encontraria os cartões. Olhei a hora, avaliei se valeria a pena e se não correria o risco de comprometer o meu próximo compromisso. Decidi entrar. Como a papelaria era um pouco longe para mim, que tenho limitações físicas por conta da esclerose múltipla, decidi pegar a cadeira de rodas disponibilizada pelo shopping.
Aqui faço um pequeno desvio para contar ao leitor que já precisei dessa cadeira antes e minha experiência rendeu uma crônica aqui mesmo nessa coluna. É que a cadeira é muitíssimo precária. A crônica que narra minhas desventuras com essa cadeira chama-se “Aula de musculação grátis” e foi publicada em 21/10/10. A referida crônica causou uma pronta reação dos responsáveis pelo shopping e isso me fez acreditar que o problema seria resolvido como eles mesmos se comprometeram a fazer na ocasião.
Assim que me sentei na cadeira pude notar que continuava a mesma porcaria da vez passada. Efetivamente a administração do shopping não fez nada além de espernear contra a crônica. Mais uma vez a cadeira de rodas me proporcionou um ótimo exercício forçado para peitoral, tríceps e musculatura abdominal. O esforço para fazer aquela geringonça andar é tanto que fiquei totalmente focado na cadeira. De relance notei um grupo de senhoras tomando café sentadas em volta de uma mesa no corredor. Reconheci uma tia minha, acenei efusivamente e desviei meu caminho para saudá-la. O percurso, embora curto, me foi penoso. Ao aproximar-me, notei que as senhoras mantinham uma atitude gentil e receptiva muito embora parecessem não entender muito bem o motivo da minha aproximação. Ao chegar mais perto notei que não se tratava da minha tia. Cumprimentei-as, falei rapidamente sobre meu engano e segui rumo à papelaria. À essa altura re-avaliei a pertinência daquele esforço que empreendia para comprar os tais cartões. Como já estava no meio do caminho decidi prosseguir, sem muita convicção, confesso. Finalmente, avistei a papelaria ao lado do cinema. O esforço tinha valido a pena. Entrei, escolhi vários cartões que o atendente gentilmente colocou dentro de um saco plástico. Paguei, depositei o saco plástico com os cartões sobre meu colo, respirei fundo e retomei o caminho contrário.
Já sentia meu peitoral e abdominal cansados. Faltava pouco e enchi-me de brios. Força, pensava calado, força. Meu empenho era tanto que só enxergava meus movimentos e a melhor maneira de torná-los mais eficientes. A cadeira é realmente medonha. Tão compenetrado lembrei que novamente encontraria aquele grupo de senhoras tão simpáticas. O que fazer? Passar batido, compenetrado em meu esforço ou ralentar o ritmo e saudá-las novamente? Quem sabe uma nova menção à minha tia? Para meu alívio a roda já estava desfeita. Agora faltava pouco. Não sei se em função de meu cansaço ou se da precariedade da cadeira de rodas, ela começou a puxar para a direita como fazem os carros com pneus descalibrados. A partir daquele ponto seria preciso mais esforço ainda para mantê-la no prumo e na direção desejada.
Finalmente cheguei ao local onde tinha estacionado o meu carro. Conferi no relógio que não tinha me atrasado para meu próximo compromisso. Tinha valido o esforço, afinal tinha conseguido comprar os cartões. Ôps, cadê eles? Devo tê-los derrubado pelo caminho. Entrei no carro muito chateado mas me absolvi. Se perdi os cartões pelo menos ganhei o assunto desta crônica.
- Tags
- nando bolognesi