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Publicado: Quarta-feira, 24 de julho de 2019

Desperta(dor)

Desperta(dor)
Escultura de Dominic Wilcox

O relógio despertador vinha, lá de longe, astuciosamente se infiltrando na penumbra, mas o sonido crescente era abortado todos os dias ainda nos primeiros toques, de tal modo que ninguém ouvira, até então, o volume mais alto da geringonça. Nem suas amantes, nem a vizinhança, que sequer notava a presença de vida ali. Para não dizerem aos visitantes que não o conheciam, agarravam-se nos causos do primeiro morador do bairro, ainda vivo. Mesmo solitário, andava na ponta dos pés, não batia portas, nem acendia luzes. Guardava as louças milimetricamente espaçadas para não fazerem barulho em um eventual esbarrão na cristaleira. Avesso a qualquer ruído em seu lar, respondia com silêncio às esbórnias dos vizinhos regadas com música ruim e muita putaria. Naquela madrugada, entretanto, o quarteirão todo fora despertado pela sonora pulsante que ecoava do despertador. Os bombeiros chegaram alguns minutos depois e entraram na frente, seguidos pelos populares. Encontraram-no sentado no sofá, sorrindo.

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