Publicado: Sexta-feira, 6 de março de 2009
Diálogos - A Estrada
- Pai, que aperto é este em meu peito? Esta sensação de angústia que não cessa?
- É a dor da certeza, meu filho. A certeza de que tens de caminhar para longe de mim.
- Eu sei. É algo que necessito fazer. Não há como escapar desta tarefa?
- Não queres viver? Então é assim que deves proceder. Enclausurado em tuas comodidades ou encarcerado em tuas vaidades, jamais saberás realmente como são as coisas deste mundo.
- Mas o que há neste mundo, para que eu deseje conhecê-lo? Será que vale a pena?
- Valerá a pena, se souberes contemplar tudo com serenidade. Se puderes refletir sobre o que irá passar ao teu redor.
- Ouço tantas coisas ruins sobre tudo lá fora. A maldade que parece reinar; a ambição desmedida; a falta de companheirismo; o sofrimento voluntário e involuntário; as relações de aparência ou conveniência...
- De fato não és um tolo, meu filho. Sabes muito bem o que encontrar lá fora. Porém, não sabes realmente como elas são. Só ouvistes dizer. É necessário que aprendas verdadeiramente, que experimentes.
- Não me será agradável experimentar o amargor do fel.
- Nem te disse que agradável seria. Porém, até mesmo com o fel poderás aprender algo: a valorizar os momentos doces da tua existência.
- Sei que também são vários tais momentos: o amor sem interesses ou intenções; a amizade sincera e caridosa; o desprendimento em favor dos que necessitam de apoio...
- Serás sábio, meu filho, se souberes proceder assim com todos os que te cercam, mesmo que não reconheçam tuas atitudes.
- Pai! E com a dor da saudade, o que faço? Como preencher este abismo que começa a se formar dentro de mim?
- Basta que olhes para dentro de ti. E aí estarei. Estarei nas lembranças, nos sentimentos. Distância é uma palavra inventada para dizer que barreiras existem. Porém, tais barreiras são falsas, uma ilusão. A verdade está dentro de ti. E a verdade é que, enquanto houver um pensamento e um sentimento, tudo permanece existindo.
- Então não estarei tão longe assim?
- Jamais, meu filho! Continuaremos unidos por um sentimento. E nas horas doídas em que a dor apertar, basta lembrar das nossas conversas e das vezes em que estivemos juntos.
- Agora a missão não parece tão árdua! Saber que estarei sempre contigo me conforta.
- Mas será! Deves estar preparado. Momentos de trevas virão. Os inimigos farão armadilhas. Sofrerás no corpo, na mente, no coração. Chegarás em encruzilhadas, sem noção alguma de qual caminho será o mais certo. Ficarás acuado, sem ação. Haverá momentos em que pensarás que foi tudo em vão.
- Como suportarei? Serei capaz de sobreviver?
- Será! Desde que tenhas paciência e que te agarres nas coisas mais importantes; que não respondas à dor com mais dor; que não respondas ao mal com outro mal; que não te deixes imobilizar pelo desespero; que não te arrependas de proceder sempre com retidão; que tenhas coragem de não mudar o teu jeito de ser.
- Sinto chegar o momento da partida. Já sei o que devo encontrar e como devo agir.
- Sim, estás pronto para iniciar a tua viagem. Mas fica tranqüilo: encontro-te no final da estrada.
- Pai, esta à minha frente é a estrada? Como se chama?
- Chama-se vida!
Amém.
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