Dom Amaury Castanho - O Meio
No último ano do curso de jornalismo eu me encontrava numa enrascada. A faculdade havia me tirado a bolsa de estudos. Estava sem emprego e meu pai havia falecido. Trancar ou não a matrícula e justo no final do curso? Sem saber o que fazer, resolvi pedir conselhos a Dom Amaury. Fui até a residência episcopal conversar com ele.
Era abril de 2003 e o então Bispo Diocesano me disse para agüentar firme essa tribulação. Afirmou que rezaria pedindo a Deus uma solução. No mês seguinte veio celebrar na Matriz da Candelária. Ao fim da missa, mandou me chamar e disse: “Filho, pensei no seu problema e resolvi que você vai me ajudar lá em Jundiaí. Será meu secretário e irá servir também na Cúria Diocesana”. Agradeci à Mãe de Deus pela notícia abençoada. De fato, Dom Amaury já conhecia os meus dotes jornalísticos. Mas poderia ter dado de ombros. Resolveu me ajudar porque apostou que valeria a pena. E a essa confiança sempre procurei corresponder.
Trabalhamos juntos diariamente em Jundiaí, até a chegada de Dom Gil Antônio Moreira. Vindo como Bispo Emérito para Itu, continuamos os nossos trabalhos. Às vezes eu o ajudava a responder cerca de 50 cartas por semana, além de digitar seus artigos semanais e acompanhá-lo a um ou outro compromisso pastoral, sempre fazendo fotos. Ficava admirado com seu fôlego, muitas vezes maior que o meu. Certa noite, enquanto ele me ditava seu artigo da semana, acabei cochilando na cadeira, diante do computador. Dom Amaury poderia ter me dado um pito. Mas limitou-se a dar um tapinha no meu ombro, dizendo: “Hoje você está cansado, não é, filho? Vamos só terminar este parágrafo e o resto você termina amanhã”.
Nos divertíamos muito trabalhando. Comentávamos os assuntos do momento, entrávamos em conversas sobre a fé católica, falávamos sobre as novidades. Havia até mesmo espaço para suas famosas piadinhas, ao fim das quais sempre afirmava: “Cada piada que eu conto, aumento um ano em minha vida!”. Trabalhávamos não apenas como um bispo e seu fiel, um patrão e seu empregado. O trabalho estreitou nossa amizade, nos fez irmãos. Partilhávamos as mesmas idéias e ideais, por termos em comum o amor ao jornalismo e a prática da nossa fé.
Dom Amaury nunca mandava: pedia. Dom Amaury nunca esquecia de dizer “obrigado”, mesmo quando o que eu fazia era mais do que a minha obrigação. Dom Amaury nunca disse que tinha empregados, mas “servidores”. E sempre fez questão de recompensar a dedicação de cada um não com o “mínimo necessário”, mas sempre com o “máximo possível”. Quando falhavam com ele, não corrigia através da ira: na linha da correção fraterna acolhia, explicava e dava outra chance de superar o erro.
A teimosia era um traço bastante conhecido de sua personalidade. Mas estava aberto a escutar uma segunda opinião. Às vezes ele me contava seus planos sobre algum assunto. Procurando ajudá-lo eu dava a minha opinião e perguntava, respeitosamente, se não seria melhor adotar outra saída. Juntos refletíamos e ele me dizia: “Você tem razão, filho. Desse outro jeito pode ser melhor mesmo. Você até que está ficando inteligente!”. E dava risada. E em seguida emendava: “Sei que você é verdadeiramente meu amigo, porque não tem medo de dizer o que pensa ao bispo...”.
Na minha vida profissional, espero trabalhar ainda com muita gente e em vários lugares. Mas nada poderá ser comparado a essa experiência de estar ao lado de Dom Amaury nos últimos três anos. Foi um aprendizado enorme, de onde tirei lições que guardarei como um tesouro para o resto da minha existência.
Amém.