Dúvidas, invejas, trotes e celulares
Século IXX
- Pai, disseram-me lá na corte que estão inventando um aparelho que fala.
- Que absurdo é esse?
- Não sei não. Quando apareceu o telégrafo ninguém acreditava que sinais pudessem ser transmitidos através de um fio de cobre, no entanto o telegrafo está ai. O telefone é o mesmo princípio só que transmite a voz.
- Mas, afinal, quem foi que lhe disse isso?
- O professor
- Os professores não deviam ficar enchendo a cabeça de vocês com essas bobagens.
O pai teve que admitir que quem estava falando bobagem era ele, pois, pouco tempo depois o telefone já estava funcionando para ninguém por em dúvida sua veracidade.
Século XX
Lembro-me que uma vez uma colega levou a escola um telefone de brinquedo. Nada mais era que duas caixinhas ligadas por um fio de cobre e através do qual, com muito boa vontade se ouvia alguns sons emitidos a ocasionalmente dava para entender algumas palavras.
Todos ficaram com inveja da Catarina. Eu não era exceção à regra e quis porque quis um telefone também.
E então o meu irmão fabricou um com latinhas vazias e um fio de cobre. Funcionava tão bem quanto o da Catarina embora fosse mais rústico.
Na época, poucas pessoas possuíam um telefone. O comum era se dirigir a Central e usar o aparelho a ela anexo. Era caro e só se usava mesmo para casos especiais.
Mesmo quem tinha o aparelho em casa precisava pedir a ligação à Central Era complicado e o serviço muito precário.
Quando os primeiros telefones automáticos foram ligados foi uma festa!
Qualquer um podia adquirir por preço razoável um aparelho para ser instalado na sua casa e usado à vontade.
Com a novidade, todo mundo queria experimentar o brinquedo novo e começaram os trotes:
- Alo! Quem está na linha? Saia depressa que o trem vem vindo hahahahaha
- Aqui é da Cia de Luz e Força. Estamos fazendo um reparo e precisamos que desligue a energia por uns minutos.
Meia hora depois:
Pode ligar. Desculpe ter feito você perder o final do jogo! Qual! Qua! Qua!
- É do Corpo de Bombeiros? Venha logo que está pegando fogo na caixa d’água! Heheheheh!
E por ai afora. Divertiram-se até o dia que chegou a conta da Telefônica surpreendendo a todos pelo seu valor.
Os trotes diminuíram. Quando alguém se aventurava recebia a resposta irônica:
- Você comprou o telefone hoje?
Século XXI
Mas verdadeira revolução foi quando surgiram os celulares.
Os primeiros eram grandes, pesados, caros e só os adquiriram quem realmente precisava deles.
Rapidamente, porém. Diminuíram de tamanho e de preço chegando até as mãos da classe mais pobre.
Não há quem não possua um, nem que seja financiado em vinte prestações, mesmo que não tenha dinheiro para carregar.
E o que mais se ouve por ai é
- Ligue pra mim. Estou sem crédito.
O outro que pague!
Em contrapartida foram aparecendo aparelhos com mil e uma sofisticações, relógio, televisão, internet, câmera fotográfica.
Minha bisneta de oito anos já tem há muito tempo o seu celular. Quando lhe contei como era o telefone feito pelo meu irmão ela respondeu com desdém
- Credo Bisa! Como você era pobre!