É isso aí
Um pouco de pessimismo para otimizar o seu dia.
Diploma não é sinônimo de virtudes. Menos ainda de inteligência. Antes de pedir desculpas pelos termos genéricos, explico melhor.
Certa vez, em meados de 2009, decidi com minha mãe que eu deveria procurar o primeiro emprego. Não por necessidades urgentes no orçamento, pois somos uma família de classe média, mas por diversos outros fatores, tais como a experiência em um trabalho de verdade, a responsabilidade, os recursos próprios para gastos pessoais (roupas, festas, celular, gadgets), entre outros. Era meu primeiro ano no curso de jornalismo da universidade e ainda me sobrava tempo na agenda, ainda com poucos trabalhos que exigissem estudos mais aprofundados (situação que se modificaria a partir do terceiro ou quarto semestre).
Fiz minha carteira de trabalho e, após algumas semanas, consegui vaga em uma empresa como atendente de telemarketing. Um nome que, para muitos, já soa constrangedor, vergonhoso ou o nome que quiser dar. Se eu fosse muito orgulhoso para assumir tal empreitada, com certeza não teria dado certo e eu continuaria em casa.
Fiquei lá por seis meses, prazo suficiente para atingir os objetivos pretendidos e partir para outros trabalhos, inclusive o estágio de jornalismo que me possibilitou uma formação mais sólida e com perspectivas pragmáticas da carreira que eu decidira seguir. Como se tratava de uma empresa de grande porte, de aproximadamente 4 mil funcionários, foi ali que comecei a entender - ainda que de forma embrionária - as relações extenuantes do mercado de trabalho. Do supervisor arrogante ao gerente do setor que ignorava todos os funcionários. Posso estar sendo genérico em minhas próximas considerações, mas foi a experiência que as trouxe a mim e não uma reflexão dedutiva qualquer. Lembro-me de dois episódios específicos.
Era algum sábado de março e eu trabalhava. Como em todo horário de almoço, dirigia-me ao pátio destinado às refeições e, por falta de mesas, acomodei-me junto a um dos supervisores. Não cito nomes para não comprometer ninguém. Tentando me ignorar, este rapaz que aparentava uns 30 e poucos anos conversava de maneira pedante com outro colega de mesmo cargo que ele. Em um impasse, ambos tentavam lembrar quem era o autor da obra "Leviatã". Não resisti e entrei na conversa, pois Hobbes era um dos autores que mais me interessava naquele momento, já nem me lembro o porquê. Olhares e gestos inevitavelmente arrogantes, mas a conversa continuou e, com a prova de que eu "não era um deles", prosseguimos.
O ato de virar de costas para voltar ao trabalho bastou para que um deles comentasse baixinho ao outro: "até que esses retardados sabem de alguma coisa. Esse sairá da empresa logo. Aqui só tem lugar pra gente imbecil". Informação curiosa: fiquei sabendo mais tarde que praticamente todos os supervisores precisam passar pelo cargo de atendente por um período determinado para serem promovidos. Este rapaz provavelmente fora um retardado também. Segundo ele próprio, é claro.
Outro episódio que me tirou alguns pontos da confiança nas pessoas foi quando percebi que recebi alguns reais a mais no salário e fui ao setor de recursos humanos para questionar se havia algum erro. A fraqueza nas relações já começa por aí: este gesto, que deveria ser considerado comum, era alvo de desconfianças e olhares do tipo "como assim ele está sendo honesto?". Lembro-me que comentei com entusiasmo à atendente do RH que eu havia recebido "muito mais" do que esperava. Em meu caso, tratava-se de algo em torno de 300 reais. Um valor inexpressivo para muitos, mas mesmo assim diferente do habitual. Mais tarde eu descobriria que era o pagamento de horas extras feitas em meses anteriores que eu não havia recebido.
Quando esta mulher olhou para o valor "minúsculo", fez questão de rir por alguns bons minutos, chamar sua colega para comentar e fazer piadinhas. "Isso é o que você chama de muito a mais?", disse a funcionária que provavelmente deveria receber não muito mais que R$ 2 ou R$ 3 mil, salário compatível com o cargo. Classe média, tanto quanto eu. Com uma faculdade, tanto quanto eu. Mas o que importava ali era o valor.
Este ano, fiquei sabendo por uma colega que esta funcionária fora demitida naquele ano mesmo, um pouco depois de eu ter saído de lá. Desesperada, segundo ela. Quando a situação vigente ficou abalada, ela percebeu que sua posição hierárquica não valia absolutamente nada sob as lógicas do mercado e daquela empresa. Ela era apenas mais uma. Pouco importava o salário ou seja lá o que for.