Educação, televisão e alienação
A incapacidade de indignação induz o homem a viver a vida, assim, como quem não quer nada com nada. “Há um ponto em que a tolerância significa indiferença. Quem tolera tudo é porque não se importa com nada”, diz Rubem Alves em uma de suas crônicas.
O que pode explicar essa capacidade, quase um fenômeno do comportamento humano, de olhar o mundo com tanto desdém e descaso?
A ausência da educação moral, reflexiva e intencionada da ética é um ponto importante e determinante na compreensão do “vale tudo nesta vida em que nada vale”.
E é nesse espaço vazio que a televisão encontra poder e força. Não há como negar que a “telinha” invade nossos dias com absoluta influência. Até os mais críticos e conscientes admitem assistir televisão nos momentos de relaxamento e inércia mental. Não, não sou contra a televisão, podem ficar tranqüilos. Sinto-me apenas desafiada a refletir sobre os poderes, sobretudo os ideológicos, quando o alvo é frágil e indefeso: as nossas crianças.
Pesquisas recentes mostram que os pequenos passam, em média, três horas por dia assistindo a programas de TV. Em muitas casas, onde a jornada de trabalho dos pais é integral, esse tempo supera o tempo que os pais passam com os filhos.
Por isso me incomodo. A preocupação não é a televisão, mas a ausência do mediador e guardião dos valores morais e éticos num período importante da formação humana. A educação demanda tempo, cuidado, reflexão e intencionalidade. E esse processo não é responsabilidade isolada das escolas. Gosto de um ditado africano que diz que “é preciso toda uma aldeia para educar uma criança”.
Precisamos cuidar da educação além das escolas. A cidade educa; a família, o comerciante e a televisão também. Somos todos educandos e educadores ao mesmo tempo; mestres e aprendizes. Não estamos prontos: não nascemos prontos.
A escola deve assumir o compromisso com a aprendizagem, garantir os conhecimentos básicos, condição primeira para a formação da cidadania. Mas a sociedade toda precisa assumir o compromisso com a educação de valores, zelar pelo desenvolvimento salutar das crianças. E isso tem que ser discutido, encarado, refletido em campanhas sociais. Não podemos achar que tudo é natural e que o mundo é assim mesmo...
Antônio Faundez - calma: não é o Fagundes da Globo -, filósofo chileno, nos facilita a compreensão quando diz que “o poder de domínio de uma ideologia reside basicamente no fato de que ela se encarna na ação cotidiana”. Ou seja, a inexorabilidade de um fenômeno se explica quando o homem já não é mais capaz de perceber o que presta do que não presta, o que é bom do que não é bom, o que serve do que não serve.
A nossa televisão não presta; é um escândalo: nela tudo pode!! O sucesso do programa Big Brother, por exemplo, comprovado pelo alto índice de audiência, é um exemplo típico do quanto um povo é capaz de se alienar. Que bom seria se o dinheiro arrecadado com as ligações telefônicas da participação popular fosse destinado aos projetos educacionais do país. Pelo menos haveria uma justificativa plausível para o tempo perdido com “tamanha bobeira”.
Mas como esse desejo não tem a mínima possibilidade de se concretizar; penso eu que talvez as palavras possam chegar mais longe... Abrir a mente e alertar, alguns pelo menos, sobre o perigo da alienação social, sobretudo para nossas crianças: frágeis e indefesas.