Ele veio de Minas
Durante quatro semanas, os assuntos deste canto de página estarão entrelaçados, num misto de ficção e realidade, esta a inspirar e apoiar aquela. Hoje, pois, a parte primeira.
Lá estavam eles, o Pedro e a esposa, na frente do Bar do Jorge, sentados no beiral amplo de cimento, de uma das portas. Era o ponto de onde saíam as jardineiras com destino a Belo Horizonte. Longa jornada, de Montes Claros até lá. Alguns parentes os acompanhavam, nessa despedida. Os pais dela, e dele, dois irmãos. Vão com Deus, diziam. Mandem notícias.
Da capital mineira, Pedro e Dora, rumaram para outra capital, São Paulo. Esperançosos de arranjar emprego e melhorar de vida.
Cumpre dizer desde logo que o personagem Pedro, era na verdade o senhor Joel Castro de Lima. Pedro, um apelido carinhoso, a que se adicionou outra referência pelo fato de, em estatura, nem ele próprio saber direito se sua altura alcançava um metro e quarenta e cinco ou metro e meio. Perguntado, limitava-se a esclarecer simplesmente que “era isso mais ou menos ou por aí”, consoante o linguajar típico da região de origem.
Quieto, algo sisudo, de poucas palavras, mas daquelas criaturas advindas de gente simples, que primam pela honradez e honestidade. Dora, prendada, dona de casa. Casal, pois, perfeito, dentro do que realmente seja possível desfrutar, com sabedoria, numa vida a dois.
Um primo, já em São Paulo há dois anos, o acolheu nos primeiros dias da chegada do casal. Confiara-lhe em carta que tinha onde o colocar, embora no interior.
Somente nessa ocasião – estava-se no início dos anos cinquenta - o Pedro ficou realmente sabendo de que ocupação se tratava e onde. A cerca de cem quilômetros de São Paulo, numa das mais antigas cidades do país, a histórica Itu, à época pitorescamente ornada de casario antigo, ao molde das cidades mineiras. Infelizmente, já havia começado, aos poucos, a derrubada de verdadeiros monumentos, sobrados principalmente, expoentes do autêntico relicário arquitetônico que era a Itu daqueles tempos.
Vou me comunicar, dissera o primo, com o senhor Gonçalves, proprietário de pequena chácara bem próxima da cidade. Nela, além da sede, na verdade apenas uma residência algo rústica, de conforto relativo, havia também outra casinhola, mais simples. Ele, Gonçalves, empreiteiro prático e sem registro, especializado em demolições, morava na cidade.
Ainda em São Paulo, no dizer do primo, ficaria acertado então que o Pedro e a Dora cumpririam a condição de caseiros, ela a permanecer na chácara e ele livre para o trabalho com o mesmo patrão. Assim foi proposto e assim foi feito.
De novo embarcados na jardineira, para desta vez uma viagem bem mais curta, mesmo assim ainda penosa e demorada, com trechos não pavimentados da estrada, o rio Tietê a serpentear ao lado. Mais de três horas de viagem. Sem falar das mil e umas paradas. Pedro e Dora, mãos dadas, às vezes se entreolhavam e esboçavam leve sorriso. O mutismo deles, entanto, poderia ser traduzido como se fora uma disfarçada indagação, à moda de quem perguntasse o que seria deles. A preocupação, se houve, era naquele caso sublimada pelo amor sincero e bem plantado que unia marido e mulher. No aperto das mãos, de iniciativa dela, como que buscava e conseguia serenar um mínimo de incerteza que talvez pudesse assomar à mente do esposo.
Em Itu, o senhor Gonçalves os aguardava. Os modos e a imagem indefectível do casal simples de mineiros, permitiram que fossem diretamente abordados e saudados, Pedro e Dora, dispensada qualquer apresentação, sem medo de errar da parte do novo patrão.
Na semana vindoura, se apresenta a narrativa da acomodação do casal, numa terra em que para eles tudo era novidade.