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Publicado: Sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Eles se sentaram no círculo

Eles se sentaram no círculo
É possível mudar!

Fazer intervenções em um ambiente escolar hostil e agressivo pode ser um grande desafio. Não há como prever o que vai dar certo e o que vai ser um fracasso. A conquista da confiança e a quebra da resistência de um grupo de crianças sem limites e com valores distorcidos de conceitos básicos como respeito, obediência, disciplina, educação acabam se tornando objetivos que, em meio ao caos, parecem inatingíveis.

Mais difícil ainda é transpor estes obstáculos quando essas crianças têm entre nove e dez anos de idade e estão submergindo da fase da infância, inocência e magia para o mundo da sexualidade, drogas e violência, sem entender muito bem o que é certo e o que é errado. Elas vêm de famílias abusivas, que negligenciam seus cuidados. São famílias e comunidades que, de acordo com as histórias narradas pelos seus professores e diretora da escola, marcam a vida dessas crianças com atitudes e comportamentos que consideraríamos no mínimo absurdos e inaceitáveis. A sensação que se tem no convívio diário com essas crianças é a de que elas sabem mais do que deveriam; já ouviram o que não poderiam; vivenciaram situações que não cabem ainda no seu universo composto de bonecas, bolas de futebol, desenhos de casas e árvores e flores, jogos de bola queimada, palavras que ainda estão aprendendo a ler e escrever.

O projeto SER do SESC de Apucarana no Paraná, me deu a oportunidade de desenvolver o programa Seja a Mudança – a solução para o bullying – em uma das escolas com a população mais carente da cidade. A possibilidade de eliminar o bullying e a violência nesse ambiente escolar foi um fator extremamente motivador para que, em meio às minhas próprias incertezas e frustrações, eu jamais desistisse dessa aventura que durou três meses e meio e me mostrou indícios fortes de que o programa pode e deve ser desenvolvido com sucesso com um público alvo tão jovem.

Muito se tem falado e escrito sobre o bullying. Fico com a impressão de que quando comecei a realizar meu trabalho de combate ao bullying no Paraná, o Brasil inteiro também começou a falar sobre o tema. Hoje vemos notícias nos jornais de televisão, em novelas, as escolas começaram a admitir que enfrentam esse mal todos os dias e com mais ou menos 20 anos de atraso, o Brasil inicia seu interesse em lidar com esta prática de comportamento tão comum em todas as camadas sociais e em todos os lugares do mundo.

Mas, o que eu sempre me pergunto é: o que se tem feito para solucionar o bullying nas escolas e nos locais de trabalho? Ainda não ouvi ou não me contaram o que de fato já foi realizado com sucesso no combate ao bullying. 

Existem alertas e chamadas para a conscientização desta prática abusiva e maldosa. Pelo menos agora estamos dando nome aos bois e o drama que tem personagens e protagonistas definidos se torna mais palpável e concreto. Eu mesma já realizei oficinas aonde professores e coordenadores de universidades relataram nunca terem ouvido falar sobre bullying.

Já é um bom começo.

Porém, temos que agir. Temos que vencer o medo de lidar com algo que parece ser novo e desconhecido, mas que na verdade faz parte das nossas vidas desde que nos conhecemos por gente neste mundo.

No início do meu trabalho nesta escola de Apucarana eu me senti muito frustrada e com medo e muitas vezes me perguntava o que estava fazendo ali. Durante o primeiro mês de atividades com crianças pequenas que sonham em ter celulares e computadores ou uma bicicleta, eles não me ouviram. Eles se batiam, gritavam, andavam e levantavam e alguns nem ficavam na sala!! Entre os mais quietos e os mais indisciplinados, o clima era de total indiferença a mim e ao que eu tinha a dizer. Salvo algumas exceções, raras foram às vezes em que sai da escola sentindo que havia conseguido realizar meu trabalho. Minha intenção de colocar estas crianças sentadas no círculo na hora do processamento das atividades virou pó! Só para fazer o círculo eles quase destruíam a sala e as carteiras!

Hoje dou muita risada de tudo quando me lembro.

Mas, as coisas foram mudando... Os olhares desconfiados que nunca encontravam o meu foram tendo um outro brilho. Fomos nos tornando familiares uns aos outros; o toque, o tom de voz, a percepção do que estávamos fazendo ali, a persistência com a coerência e com o cuidado e os elogios começaram a surtir efeito.

Não existem crianças más ou ruins. O que foi aprendido pode ser desaprendido.

E aí vieram os abraços na hora da chegada, a curiosidade sobre o que ia acontecer, a intenção de se falar sobre sonhos e desafios, histórias de vida e principalmente sobre os incômodos dentro do grupo. Eles decoraram a frase “Se vocês realmente me conhecessem, saberiam que...” e passamos uma tarde inteira com cada um falando a sua!

O momento mais rico durante todo este projeto foi quando eles se sentaram no círculo. O circulo proporciona um momento íntimo dentro de um grupo aonde todos podem se ver e se ouvir. No círculo somos todos iguais. No círculo os olhares se encontram e existe acolhimento. E foi assim que crianças muito pequenas, lindas e que muitas vezes são subestimadas, falaram. 

“O que nos envergonha, o que mais tememos contar, não nos separa dos outros; é isto que nos une se conseguirmos nos arriscar e falar” – Starhawk

Tivemos vários momentos marcantes no círculo. Momentos de silêncio, de dor, compaixão, alegrias talvez nunca antes experimentados naquelas salas.

Mas, com certeza os mais marcantes foram vivenciados por todos nós quando os alvos do bullying na sala tiveram a coragem de se expor e falar. Até hoje eu me emociono muito quando relembro as cenas em minha mente. Eles são tão pequenos... Com uma dor tão grande. Não parece justo. E não é. Por isso temos que agir!

Nunca mais esqueceremos o choro interminável da Ticiane quando ela se abriu e falou da sua dor por ser alvo de apelidos maldosos por causa da cor da sua pele. A Ticiane é linda, tem nove anos, é uma das melhores alunas da sala e foi quem mais me ajudou durante todo o projeto.

A coragem do Vinícius foi brilhante ao falar, também chorando, de como ele se sente magoado por ser alvo de “tiração de sarro” por causa da sua voz. Sua coragem foi além dos seus limites ao olhar para o seu agressor de frente e pedir a ele que parasse. O Vinícius é um menino de traços atraentes, que não incomoda os amigos e aceitava calado as insinuações feitas a ele por causa do tom da sua voz.

A escola toda decidiu parar de chamar o Lucas pelo apelido de “padre” – algo que o incomodava há muito tempo. Os alunos que participaram do projeto foram em todas as salas fazer uma campanha para ajudar o Lucas, um menino negro, de 10 anos, que sempre ganha medalhas pelo seu bom rendim

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