Erasmo Figueira Chaves in memoriam
Outubro começou triste para os familiares e amigos da personalidade lembrada no título acima. Após exatos 30 dias internado na capital paulista, o fluminense criado na Ilha da Madeira (Portugal), graduado em Princeton (EUA) e Montevidéu (Uruguai), radicado em Cabreúva (SP) e também bastante conhecido no circuito cultural de Itu (SP), veio a falecer faltando dois meses para completar 86 anos de idade.
Tive acesso aos poemas desse grande intelectual quando era ainda adolescente e iniciei meus escritos no Jornal A Federação, onde a saudosa Nenita Navarro publicava, na Coluna Cultural, textos e poesias dos membros da Academia Ituana de Letras. Erasmo, aliás, foi o primeiro ocupante da cadeira 31, cujo patrono é o Dr. Cesário Motta Júnior, de quem publicou uma biografia.
Cinco anos atrás, quando também me tornei membro da referida Academia, pude partilhar alguns momentos de maior proximidade com esse homem de personalidade e discursos ímpares. Erasmo foi um tipo de ser humano que, infelizmente, parece em vias de extinção. Com ele era possível dialogar fraternal e sinceramente a respeito de assuntos vários, com uma profundidade de conteúdo espantosa, além de um saudável bom humor. Destilava sabedoria a cada frase. Exalava cultura em cada sentença.
Mesmo com o curto tempo de convivência, criei por Erasmo um sincero sentimento de bem-querer e sei que ele também tinha certa estima por mim. Eu sou católico. Ele foi grande expoente da Maçonaria. E daí? Jamais tal diferença serviu de barreira. Erasmo foi um humanista, preocupado com questões como os valores morais, a justiça social, a paz entre os povos, etc.
Nisto tínhamos muito em comum. Lembro-me do seu entusiasmo quando comentei com ele alguns pontos da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), primeiro livro do Papa Francisco, publicado em 2013. Pelo que sei, Erasmo chegou mesmo a adquiri-lo. Admirava muito a Igreja e, nas poucas correspondências que trocamos, incentivava-me na caminhada religiosa que assumi por vocação.
Há três semanas, avisado de sua internação, fui visitá-lo no hospital. Tive a graça de cumprir esse dever que o amor obriga, uma obrigação boa, que faz bem para ambas as partes. Obrigação criada pela estima e também pelo mandamento deixado por Jesus: estive enfermo e me visitastes.
Erasmo estava com a voz um tanto fraca, mas completamente lúcido. Sofria com dores e incômodos, mas ficou bastante feliz com a minha presença Pudemos conversar por aproximadamente meia hora. Parece pouco tempo, mas falamos sobre um monte de coisas. Na hora de ir embora ele me agradeceu novamente. Apertou forte a minha mão esquerda enquanto eu, com a mão direita, traçava o sinal da cruz em sua testa dizendo-lhe que rezaria pedindo a Deus por seu restabelecimento. Foi assim que nos despedimos.
O Criador tem seus mistérios e resolveu chamar de volta a Si essa alma que encantou a tantos nesta terra. Agora há de estar contemplando muitas novidades, matando sua sede de sabedoria, livre das limitações carnais. Manifesto aqui a minha solidariedade aos amigos e familiares de Erasmo, principalmente à sua esposa, a professora Beatriz, seus três filhos e netos.
Com a devida vênia, finalizo reproduzindo um texto do já saudoso poeta, entitulado "Transcendência", publicado no portal Itu.com em 8 de dezembro de 2009. Erasmo deixará saudade, mas havemos de nos rever.
"Há sinais evidentes de uma passagem
que nem todos, nem tolos, crêem, há de vir...
Não pretendo que ouçam também a mensagem
que só ouvem e vêem os que querem ouvir
Os que anseiam amar, os que ousam sentir
Para os olhos da Alma todo longe é perto
Não há distância, só há céu aberto
Para o cerne dos bons, nada é dor bastante
Se em busca do bem, já perto ou distante
A fé os margeia, os marca, os norteia,
E um coração grande os libera da teia
da manha, da peia, do temor sem ameia
e a prodigalizar no amor
nada em si é vazio, estéril, baldío
São os dons e o tempo, cadinho a moldar
seu espírito, o templo da Alma,
o seu Rumo Certo, sua Segurança, plenitude,
seu sentido reto, moucos os ouvidos à insídia, à cizânia,
mas alerta numa vida cheia".
Amém.