Estava escrito
Já falei mil vezes – e que mal existe em dizer de novo? – sobre uma confessada mania, incontrolada tendência, a de escrever no verso de folhas e papéis de toda espécie, sobretudo se é amplo o espaço em branco.
Neste presente caso, tenho na minha frente um programa de evento ainda do ano de 2014. Papel firme, uma quase cartolina. Tirei-lhe as medidas: 43 por 30 centímetros. Devem caber então aqui, alguns pensamentos.
Nesse sistema, pois, o trabalho é dobrado, eis que de todos esses rabiscos, há que levá-los computador.
Demente eu? Sei lá.
Disso , porém, nunca me acusaram, nem os daqui de casa. Sequer deixo de confessar que esses talvez não tenham me censurado por puro respeito...
Olha só do que me ocorre: do fato de que, decididamente, nunca ousei versejar.
Faço reparo nesse pormenor de apenas duas ocorrências. Exceções.
A primeira, nos meus prováveis dezessete anos – por aí. Pouco mais, pouco menos. Exaltava a meu modo a magnificência do idioma pátrio, herdado de além-mar, sabem todos. Feitura de apenas três míseras estrofes, desaparecidas num caderno que sumiu. A memória permite citar apenas o final da derradeira. Nela, quis realçar as chances infindas da nossa língua, rude e terna, ao sabor do que se deseje expressar. Falava eu, pois, que o contraponto de sua intensidade, casava também com a leveza e ternura. Mas, de tudo, só consigo recordar o seu fecho, a dizer:
“... tua ternura e leveza tais são, que pareces uma pena martelando o algodão”.
Houve uma segunda vez.
Bem mais recentemente, algo de presumíveis quatro ou cinco anos (seria isso?); aí então, deveras num repente produzi alguma coisa. Veio como um furacão e saiu essa que fecha o colóquio de hoje. Intuitiva, inesperada, sem retoques, surpreendente; as frases se alinharam num quase milagroso repente.
Essa eu guardei.
Sem revisão, insisto, sem remendos. A sua espontaneidade não autorizaria dizer nem quantos minutos demandou sua feitura . Cinco... Quatro... Pura, rápida, sem revisão ou acertos.
Muito recentemente, em ocasional e recente encontro e que, desde então, se transmudou para contatos frequentes, caiu ela perante a vista de consagrado gramático, autor de várias e notáveis obras no ensino do português. O insigne mestre viu nesse poema a parecença com o estilo de um poeta de renome. Tanto foi o susto, que na hora enrubesci a ponto de nem apreender de quem se falara ou quem fora ele. E tampouco o pudor autorizou-me a perguntar depois quem seria.
Creiam. Aconteceu.
O papel, a esta altura, já quase sem espaços.
Urgente enveredar para o seu fecho.
Falei com o coração e assevero que, não obstante essa contingência, a respeito de versos, tudo parou por aí.
Vejam.
ESTAVA ESCRITO
Treze anos, se tanto.
Pouco mais, quem sabe menos...
Como a plaina, empunha tão bem!
A plaina só? Todas as ferramentas, isso sim.
Do genitor, tudo aprendera.
Cai-lhe a veste longa,
Suja as barras, no fim do dia.
Quiçá dele não fora a indumentária,
ganha ou de vizinhos herdada,
que irmãos não tivera.
Para a idade tenra, ensimesmado,
Às vezes, no infinito o olhar posto
e ao de repente, com os amiguinhos de novo.
Se falante ou quieto,
tímido ou desenvolto,
de sua infância e juventude,
pouco se apurou.
Sabe-se-lhe entanto, a cultura,
comprovada,
eis que, com até doutores disputou.
Genitora aflita.
Pai, de mãos na cabeça.
Cadê o menino, onde ficara?
Mais ainda que a festa acabara.
Pós tríduo de aflições, divisam-no,
O menino, sereno, e já a ensinar.
Doutores pasmos, à sua volta.
Aos pais serena,
que lhe cumpria,
daquilo se ocupar.