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Publicado: Sexta-feira, 9 de maio de 2008

Eu Por Mim Mesmo - Parte Um

De lembranças, situações precoces e cabelo repicado
 
Não me lembro da vida in utero, é óbvio. Sei apenas que não devo ter suportado o tédio daquela existência na placenta de minha mãe. E por isso vim ao mundo aos sete meses de gestação, 60 dias antes do que as crianças normais. É um fato, sempre fui precoce. Fui a sétima tentativa de meus pais. O que significa que, antes de mim, outras seis crianças nasceram e faleceram, por vários problemas. Depois de mim, dona Nair conseguiu ter ainda outra criança, a minha irmã Verônica.
 
Como já disse, acho que sempre fui precoce. A primeira visão que tenho na memória, vem do meu ano e meio de idade. Parece pouco, leitor? Pois é, concordo. Não acredito que, com tão pouco tempo de vida, eu já fosse capaz de reter alguma recordação. Mas para mim é fato, não devaneio. Lembro exatamente do dia em que abri os olhos pela primeira vez.
 
E aí se revelou a minha memória fotográfica, baseada no que é visual. Minha mãe e minhas tias estavam rodeando o meu berço, falando da minha roupinha de bebê. Parece ficção, eu sei. Lembro também das vezes, quando aos três anos de idade, eu acordava de manhã e fazia minha mãe ligar a televisão no SBT, para assistir as aventuras de Batman e Robin, daquele seriado um tanto quanto pastelão.
 
Tive uma infância feliz. Morava com meus pais em uma casa própria, no bairro da Vila Nova, um bom lugar. Nossa casa tinha uma ampla sala e dois quartos em um primeiro piso. Ao descer uns seis degraus, chegava-se à sala-de-jantar, à copa e à cozinha. Na parte interna, um outro grande quarto existia, para acomodar algum hóspede. Além disso, na parte exterior, havia uma área de serviço e um quintal, com três bananeiras.
 
Outra coisa de que me lembro, foi quando Verônica nasceu. Estranho, não lembro da gravidez de minha mãe. O que mais me marcou foi a semana em que o parto ocorreu. Mamãe necessitou de uma cesariana e foi para o hospital. Ficou internada, deu à luz e na maternidade permaneceu por uns quinze dias.
 
Nesse tempo, eu passava o dia com a família da vizinha cuidando de mim. Quando papai chegava em casa, no fim da tarde, eu ficava com ele. Recordo-me nitidamente que passei quinze dias comendo ovo frito, pois naquele tempo era o que papai dominava nas artes culinárias. Eu tinha apenas cinco anos de idade e hoje dou risada ao perceber a afobação de meu pai na tentativa de cuidar de mim direitinho.
 
Fui precoce também no período da pré-escola. Enquanto as outras crianças, entre seus 4 e 6 anos de idade, eram levadas para casa por seus pais ou peruas escolares, eu voltava para o meu lar sozinho, de ônibus, muitas vezes passando por baixo da roleta.
 
Não era negligência de meus pais, pois ambos trabalhavam. E no fim, foi bom, pois aprendi a me virar sozinho desde a infância, ao menos em algumas coisas. Lembro que eu tinha decorado o nome de meus pais e o endereço de casa, para o caso de alguma emergência. Isso foi criando em mim, desde cedo, alguma noção de responsabilidade e segurança.
 
Tanto fui precoce, que aprendi a ler no último ano do período pré-escolar. Foi por instinto. Vi as letras e compreendi seu significado. Achei uma antiga cartilha no porão de casa e minha mãe me ensinou a ler os primeiros fonemas. Recordo que, ao chegar na primeira série do Ensino Fundamental, a professora ralhou com minha mãe por ensinar-me a ler antes do tempo pedagogicamente ideal. “Mas ele aprendeu sozinho!”, respondeu dona Nair à professora, que obviamente não acreditou.
 
Dos 7 aos 10 anos, vivi como uma criança comum. Brincadeiras na rua, estudos e família. Não havia video-games e computadores, tampouco tênis de grife e inúmeras marcas de bolacha recheada e iogurtes. Vivi o tempo do Plano Cruzado, da falta de carne nos açougues e de produtos nos supermercados, por conta do tabelamento do governo do presidente Sarney.
 
Vi também, pela televisão, o funeral do presidente Tancredo. E chorei, nem sei por quê. Agora, em 2010, pelo jeito irei votar no neto dele, o simpático Aécio. Sinal de que o tempo realmente passou. E pra finalizar as memórias da minha primeira década de vida, recordo que o fato marcante dos meus 10 anos de idade foi trocar o cabelinho ordenado, repartido para a direita, por um corte mais rebelde e repicado. Hoje me sinto ridículo ao lembrar que usava o cabelo daquele jeito... Mas me dou um desconto a mim mesmo: eu tinha apenas dez anos!
 
Amém.
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