Fábrica de Tecidos São Luis: passado e presente
The textile factory São Luiz: past and present
Anicleide Zequini- Museu Paulista, Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no III Congresso Internacional do Patrimônio Industrial: reutilização de sítios industriais um desafio para a conservação patrimonial. Evento ocorrido entre os dias 17 a 19 de junho de 2016 na Universidade Lusíada de Lisboa – Portugal.
Resumo:: A fábrica de tecidos a vapor denominada de São Luiz foi a primeira a ser construída na província de São Paulo no ano de 1869. Utilizava máquinas norte americanas e inglesas e mão de obra livre e escravos. Trabalhou até 1982 e, desde 1997 por iniciativa dos proprietários está sendo restaurada.
Palavras-chave: Indústria, Brasil, São Paulo, Itu, Textil
Asbrat: The textile steam factory São Luiz was the first to be built in São Paulo province (current São Paulo state) in 1869. It used English and North American machinery, free labor and slaves and was active until 1982. Since 1997 by the initiative of the owners it is being restored.
Keywords: factory, Brazil, São Paulo, Itu, textile.
O Algodão e a Fábrica.
Em 1866 havia no Brasil nove fábricas de tecidos de algodão, mas nenhuma existia em funcionamento na Província de São Paulo, atual Estado de São Paulo. Entre os anos de 1813 a 1830, o Capitão João Marques Vieira de Castro, iniciou em São Paulo, a primeira tentativa para a fabricação de tecidos a partir do emprego de rocas e teares manuais sob a orientação do mestre fabricante Thomaz Rodrigues Tocha. Nesta mesma localidade, houve também as tentativas do coronel Antonio Maria Quartim e a do Marechal José Arouche de Toledo Rondon (Canabrava, 1984: 275-277).
No interior da província de São Paulo, entre os anos de 1852 a 1862 Manuel Lopes de Oliveira, de Sorocaba e um dos pioneiros da cultura do algodão herbáceo, iniciou uma tentativa para a produção de panos de algodão grosso destinado a roupas de escravos e pobres, empregando o vapor e trabalhadores escravos. Este empreendimento, segundo Luiz Castanho de Almeida em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo de 1944, utilizou-se de teares manuais domésticos acoplados a uma máquina a vapor para a produção de panos. Manuel Lopes, segundo Castanho, foi um grande inventor que construiu o primeiro tear mecânico para tecer o algodão, a partir de teares já utilizados na fabricação doméstica.
Em meados do século XIX com a emergência, na província de São Paulo da cultura cafeeira ultrapassando a tradicional cana de açúcar e de melhoramentos urbanos e de infraestrutura como a construção de uma importante malha ferroviária, sendo a primeira delas denominada São Paulo Railway, conhecida como “inglesa”, a instalação de inúmeras casas comissárias que compravam o café do produtor para exporta-lo, a criação de serviços urbanos (transportes, bondes, iluminação, água e energia), instalação de casas importadoras de máquinas e de oficinas mecânicas, agencias bancarias e a política de introdução da mão de obra livre europeia em substituição aos escravos, lançaram as bases para o sucesso dos empreendimentos industriais.
A partir de 1861, paralelamente ao crescimento da cultura cafeeira, e em decorrência da Guerra Civil Americana (abril de 1861), importantes agricultores e senhores de engenho de açúcar, passaram a investir na produção do algodão herbáceo (denominação que designou todas as variedades importadas dos Estados Unidos) com o objetivo de atender a demanda das industriais têxteis inglesas que haviam deixado de receber o produto de um dos seus principais fornecedores: os Estados Unidos. A região conhecida como Quadrilátero do Açúcar, formada pelas atuais localidades de Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guassu e Jundiaí, destacando-se duas áreas: Itu e Campinas se transformaram no chamado quadrilátero do algodão, plantados especialmente nas terras consideradas impróprias para o café.
Na província de São Paulo o interesse da indústria têxtil inglesa para o fornecimento do algodão foi representado pela Associação para o Suprimento do Algodão de Manchester (Manchester Cotton Supply Association), fundada em 1857 e representada no Brasil pelo inglês Jean Jacques Aubertin, superintendente da estrada de ferro “a Inglesa”, ainda em construção (Zequini, 2004: p.40). Em 1861, esta Associação, por intermédio de Aubertin, passou a encaminhar aos agricultores brasileiros, as primeiras remessas de sementes de algodão herbáceo, sendo as primeiras delas plantadas em Sorocaba por José Ferreira Braga e, em Itu, em 1862, por Carlos Ilidro da Silva. Além de sementes, encaminhou maquinas destinadas ao beneficiamento e descaroçadores de algodão e manuais e publicações técnicas traduzidas para o português.
O algodão herbáceo tomou realmente impulso na província de São Paulo, em 1864. Artigos publicados no Jornal Correio Paulistano durante o período áureo da cultura algodoeira indicam que J.J. Aubertin, além de incentivar os produtores, também acompanhava pessoalmente o desenvolvimento das lavouras e a introdução das novas tecnologias, representada pelos descaroçadores de algodão tanto movidos a vapor como os hidráulicos. Em abril de 1866, esteve em Porto Feliz, no interior da província de São Paulo, hospedado na casa de Angelo Custódio de Moraes, um dos fundadores da Fábrica São Luíz de Itu, para participar da inauguração de uma máquina movida a vapor de descaroçar algodão e visitar algumas plantações daquela região.Jean Jacques Aubertin, mesmo depois de ter se retirado do Brasil, em maio de 1868, manteve seu interesse e contato com os agricultores paulistas sendo considerado o “Pai do Algodão” (Canabrava, 1984: p.8-9).
No Brasil, o incentivo à plantação do algodão, distinguiu-se pelos trabalhos realizados pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, “encarregada da maior parte do trabalho de recebimento e distribuição das sementes importadas de outras partes do Brasil e dos países estrangeiros” (Canabrava, 1984: p.26). Recorriam-se a esta Sociedade, os Presidentes de Província, os Conselhos Municipais e, também, os próprios agricultores para solicitar as sementes. A Sociedade também publicou inúmeros artigos técnicos sobre o algodão referentes ao cultivo e, também avaliações técnicas sobre máquinas em seu periódico O Auxiliador, Entre as principais publicações destacam-se o Manual do Cultivador do algodão de Candido Nascente d’Azambuja (1862), a Memória do padre Antonio Caetano da Fonseca (1862) e a Monographia do Algodoeiro de Frederico Leopoldo Cesar Burlamaqui (1863). (Canabrava, 1984: p. 26-33).
Em Itu, cidade do interior da província de São Paulo, o incentivo às plantações de algodão foi marcado pela instalação, em 1861, de uma fazenda modelo denominada São Carlos de propriedade de Carlos Ilidro da Silva, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de São Paulo em 1837. Ilidro é considerado um dos mais importantes agrônomos da Província de São Paulo do século XIX, principalmente, pelos seus estudos sobre os métodos rotineiros de cultivo da terra, publicados no ano de 1860 em seu jornal O Agricultor Paulista e no Correio Paulistano (Canabrava, 1977: p. 1176).
Esta Fazenda Modelo funcionou como uma espécie de escola agrícola, apoiada com auxílio do Estado, voltada para os estudos e experiências com o solo, tendo como objetivo melhorar os métodos de cultivo da terra, especialmente, daquelas já desgastadas com as antigas culturas, como o da cana de açúcar, de realizar ensaios com uma grande variedade de máquinas agrícolas, como arados, descaroçadores e vapores, destinadas a mecanização da lavoura e aos processos de cultura do solo para além do algodão como, o do café e o chá. A fazenda São Carlos, também se destacou como um centro oficial de distribuição de sementes de algodão aos municípios vizinhos de Itu (cf. Canabrava, 1977).
Os anos de 1864 a 1866 foram considerados da maior importância para a difusão da cultura do algodoeiro herbáceo no interior da Província de São Paulo, especialmente destacando-se as regiões de Itu, Porto feliz, Sorocaba e Limeira. Suas vantagens econômicas se apresentaram como uma nova alternativa de enriquecimento. O sucesso com o produto inspirou até poetas que publicaram em prosa e verso as riquezas que poderiam ser adquiridas com aquele plantio. Um morador de São Roque, afirmou em 11 de abril de 1865 através do jornal Correio Paulistano que: “o algodão em flor é ouro, e quando abre as maçans é prata”, uma referência ao dinheiro que poderiam adquirir com a venda do produto. Outros preferiram, naquele mesmo jornal, publicar em estrofes a sua satisfação como o algodão. Assim em 25 de novembro de 1864, publicou-se a poesia denominada O Algodão. Num trecho afirmava: “Viva o algodão herbáceo, que na província appareceu, fará feliz, fará ditoso té a quem pobre nasceu” ou, “O assunto é o algodão que a uns fará Comendador, e a outros fará barão”.
Além da questão econômica, a cultura do algodão estreitou os contatos com os americanos e ingleses, envolvidos na comercialização do produto e com as novas tecnologias que foram sendo apresentadas aos agricultores, fazendo com que eles passassem a conhecer todas as fases do produto, do plantio, beneficiamento e a sua transformação em fios e panos. Este novo contexto, favoreceu, especialmente aos projetos das fábricas de tecidos que se instalaram na segunda metade do século XIX no interior da província, como a da Fábrica de tecidos São Luiz de Itu.
Um dos aspectos, a ser destacados era a presença dos importadores de máquinas e a assistência técnica trazida por eles ao se instalarem no Brasil, num primeiro momento, atraídos pela agricultura cafeeira, para depois diversificar os seus serviços e produtos para atender as necessidades do algodão.
Entre as inúmeras importadoras destaca-se para este trabalho, a americana do engenheiro mecânico William Van Vleck Lidgerwood, representante da agencia de fundição de John H. Lidgerwood e Comp de Nova York e instalada no Rio de Janeiro em 1860. Em 1866, instala uma filial em São Paulo e, a partir de 1868, em Campinas, que neste período já era considerada como o centro agrícola do café (Camillo, 2003: p. 95). A Lidgerwood, em 1863 aparece como fornecedor de sementes de algodão. Comercializava máquinas agrícolas de sua invenção destinadas ao beneficiamento do café e também importava máquinas de costuras e descaroçadores, sendo a responsável pela importação das maquinas de fiar e tecer que foram instaladas em Itu, para a montagem da fábrica de tecidos São Luiz.
A ampliação destes serviços técnicos se deu também pela instalação de várias oficinas mecânicas, como a Imperial Ferraria, Officina Mechanica e Fundição de Ferro e Bronze, pertencente a Antonio Carlos de Sampaio Peixoto, instalada em Campinas em 1868, destinada a realizar serviços de reparos e construções de peças de reposição.
Comentários dos serviços realizados pela Imperial Ferraria e publicados no jornal Correio de Campinas indicam que realizavam com perfeição peças fundidas ou torneadas a partir de projeto e respectivo modelo que fossem a eles encaminhados, além de oferecer assistência técnica para reparos. De Itu, um de seus clientes foi Carlos Ilidro da Silva, que por diversas ocasiões encomendou peças de reposição para máquinas para a sua Fazenda Modelo São Carlos. Outros ituanos, como Antonio de Souza Gomes Carneiro, utilizou-se daqueles serviços para conserto de uma máquina a vapor que movia um descaroçador de algodão.
Este conjunto de importadores e oficinas proporcionou a formação de uma “rede de sustentação técnica”, fundamental para que as fábricas de tecidos, como a São Luiz de Itu, e de outras instaladas na província de São Paulo, tivessem êxito em seu funcionamento, pois podiam contar com pronta reposição de peças e com a presença de engenheiros e técnicos que montavam, consertavam e ensinavam o trabalho com as máquinas.
A fundação da Fábrica de Tecidos São Luiz de Itu
Com o final da Guerra Civil Americana (maio de 1865), a baixa dos preços de exportação e o excedente de produção do algodão, alguns agricultores e comerciantes deste produto investiram seus capitais na instalação de fábricas de tecidos. Assim, em dezembro de 1869, inaugurou-se na cidade de Itu, a Fábrica de Tecidos a Vapor São Luiz, considerada a primeira fábrica fundada na província de São Paulo que teve êxito e subsistiu até o ano de 1982, quando encerrou a suas atividades produtivas.
Warren Dean, o primeiro autor a realizar estudos de arqueologia industrial no Brasil em 1976, escolheu para sua análise a fábrica São Luiz. Para este autor, o aparecimento de fábricas de algodão em São Paulo estava, “pelo menos indiretamente”, ligado à fabricação doméstica de tecidos, ou seja, foram instaladas nos lugares em que já tinham alguma tradição e pessoas habilitadas e conhecedoras do trabalho de fiar e tecer (Dean, 1976: p. 10). Em Itu, recenseamentos do início do século XIX, indicam uma porcentagem significativa da população de mulheres que se declaravam como ocupação principal o fiar, costuras e fiame.
Este aspecto pode ter sido também, um dos motivos que levaram os fundadores da fábrica a optarem pela construção em Itu utilizando o vapor e não, como anteriormente estudado, a de construí-la na povoação do Salto, junto à cachoeira do rio Tietê empregando a energia hidráulica. A potencialidade da cachoeira do Salto, já havia sido observada por J.J.Aubertin em um artigo publicado no jornal Província de São Paulo, quando descreveu uma visita realizada ao interior da província de São Paulo em janeiro de 1866 que realizou em companhia de americanos sulistas plantadores de algodão. Para ele, a queda d’água de Salto, teria força bastante para mover as fábricas de um mundo inteiro.
Contudo, este projeto não foi concluído, devido especialmente aos custos das obras que deveriam ser realizadas dentro do rio para conter a sua vazão e movimentar turbinas hidráulicas, que foram instaladas em 1873 por José Galvão de França Pacheco Junior na sua fábrica de tecidos de algodão (Zequini, 2004: p.53-58). A escolha pelo vapor, pelos proprietários da São Luiz, não era uma alternativa tecnológica desconhecida, mas amplamente divulgada devido a presença das máquinas de descaroçadores de algodão. Vale ressaltar também, que o emprego do vapor, permitiu que a construção da fábrica de tecidos São Luiz fosse realizada na área urbanizada de Itu e junto a população e dos trabalhadores.
Em janeiro de 1869, o prédio estava sendo construído e também formada uma sociedade, sendo a maioria deles membros da Guarda Nacional, constituída pelo Tenente Coronel Luiz Antônio de Anhaia, considerado o idealizador do projeto; Capitão Antônio Paes de Barros, o Barão de Piracicaba; Tenente Manoel José de Mesquita, Capitão Antônio Carlos de Camargo Teixeira e Ângelo Custodio de Moraes, um importante produtor de algodão de Porto Feliz.
Dos incorporadores da fábrica, destaca-se a atividade de Tenente Coronel Luiz Antônio de Anhaia, o “empresário do projeto”, que tinha como profissão de farmacêutico ou técnico em farmácia. Foi nomeado Tenente Coronel Comandante da Guarda Nacional de Itu pelo Decreto de 10 de setembro de 1867. Em 1867, trabalhava em Itu como representante e comerciante de vendas das máquinas de costuras americanas da marca Howe; a partir de 1870 participou como um dos acionistas para a construção da Companhia de Estrada de Ferro Ytuana, inaugurada em 1873. Esta ferrovia ligava a cidade de Itu à de Jundiaí e daí, por intermédio da estrada de ferro São Paulo Railway, até ao Porto de Santos, de onde eram realizadas as exportações. Em 1886, passou a residir na cidade de São Paulo onde fundou juntamente com seu filho, o engenheiro Luiz Anhaia Mello, a fábrica de tecidos Anhaia & Companhia, provavelmente, a partir da experiência que adquiriu com a fábrica São Luiz, a qual serviu como modelo para a construção de muitas outras fábricas em São Paulo e Minas Gerais.
Nota-se, que o Coronel Anhaia, tinha uma estreita relação com a corte, a cidade do Rio de Janeiro, pois desde 1867, seu filho Luiz de Anhaia Mello era estudante no internato do Colégio Episcopal de São Pedro de Alcântara. Na Corte do Rio visitou, segundo o jornal O Ypiranga de 22 de janeiro de 1869, a fábrica de Santo Aleixo, que serviu como modelo para o emprego das máquinas americanas instaladas em sua fábrica em Itu e importadas pelo Sr. Lidgerwood, certamente de sua sede no Rio de Janeiro.
Outro sócio foi Antônio Paes de Barros, nomeado Barão de Piracicaba em 1854, tinha relações comerciais com os americanos, notadamente com J.J. Albertin que por várias ocasiões se hospedou em sua residência em Itu. O Barão, também investiu em outros empreendimentos industriais, um deles, na povoação do Salto onde possuía terras junto à cachoeira do rio Tietê. Neste local construiu um canal de derivação com a intenção de instalar uma fábrica de tecidos. Em 1872, fundou juntamente com seu filho Diogo Antônio de Barros, segundo biografia publicada no jornal A Família de 15 de dezembro de 1888, a Grande Fábrica de Tecidos a Vapor de Diogo de Barros.
Ângelo Custodio de Moraes, diferentemente do que afirmou Warren Dean em seu artigo sobre a Fábrica de Tecidos São Luiz, tinha suas atividades ligadas à cultura e comercio de algodão. Em 1866 recebeu em sua casa na cidade de Porto Feliz o inglês J.J.Aubertin, o “pai do algodão”, para as festividades de inauguração de uma máquina a vapor para descaroçar algodão. Outros sócios, o Capitão Carlos de Camargo Teixeira foi cultivador de algodão e, depois comerciante de panos; Tenente Coronel José Feliciano Mendes, foi vereador em Itu e Tenente Manoel de Mesquita, capitalista.
Observa-se a partir da biografia dos fundadores da São Luz, que o projeto da fábrica foi amplamente estudado e que havia fundamentos técnicos, de mercado e de comercialização para o seu êxito possibilitado, sem dúvida, pelo envolvimento que tinham os sócios com o comercio de exportação do algodão, com a tecnologia que o envolvia, com a presença de técnicos e engenheiros em máquinas e pessoal que passaram a conviver com os do local e região e conhecimento do mercado consumidor, formado basicamente de panos grossos de algodão para a confecção de roupas de escravos, num pais de economia agrícola baseado no trabalho de escravos. Em 1872, o primeiro recenseamento brasileiro, indicava que a cidade de Itu, contava com 10.821 habitantes, sendo 7.323 livres e 3.498 escravos.
A escolha do local para a construção da fábrica, nos subúrbios da cidade de Itu, foi determinada pela compra de terrenos que Luiz Antônio de Anhaia e seu pai Antônio de Anhaia de Araújo, haviam realizado entre os anos de 1859 e 1861, de Manoel Joaquim Antônio Russo, sindico do Convento de São Luiz dos padres franciscanos. Em 1869, ano da construção da fábrica, o Convento havia sido ocupado pelos Padres da Companhia de Jesus para a fundação de um colégio para meninos denominado São Luiz e daí, provavelmente, vêm à denominação da fábrica de tecidos invocando o Santo.
A fábrica foi construída junto ao futuro Largo de São Francisco onde também estava e ainda está um cruzeiro construído pelos franciscanos em granito (1795) e três edifícios religiosos já demolidos como o Convento dos Frades Franciscanos (1692), Igreja de São Luiz de Tolosa (1696) e Igreja da Ordem Terceira de São Francisco (1802) sendo em uma outra lateral, estava e está a Igreja do Bom Jesus (reconstruída em 1765). Assim, ladeada de prédios religiosos católicos, a arquitetura da fábrica, segundo Warren Dean, parecia mais outro convento em meio a outras estruturas religiosas da cidade. Para este autor, “a fábrica não parece uma precursora de um século científico, mas a reafirmação de um período anterior, mais tradicionalista” (Dean, Warren, 1976: p. 15). Já para os autores Francisco Foot e Victor Leonardi, o edificio se insere no que os autores denominaram de padrão colonial brasileiro, pois as fábricas apresentavam fachadas semelhantes as das casas grandes de fazendas de açúcar e café (Hardman, 1982: p. 178).
Contudo, a fábrica São Luiz se identificava entre as igrejas e conventos da cidade, pela presença da chaminé que denunciava a presença da máquina a vapor alimentada pela queima da madeira e de ser ali ser local de produção industrial. O jornal Correio Paulistano de 05 de setembro de 1869, o descreveu como um “sobrado de nobre aspecto, com 24 metros de face da rua [Rua Direita, atual Rua Paula Souza] e 31 metros na do largo [Largo de São Francisco, atual Praça D. Pedro I] contendo 13 janelas nesta frente e 9 na rua, sendo as janelas do pavimento térreo fechadas com bonitas grades de ferro” (Nardy, 1949: p. 45-46). Todo o edifico foi construído em tijolos, um grande avanço técnico para a época em que construir em São Paulo e em Itu, significava empregar a taipa de pilão ou de mão, para a construção de paredes e, para a cobertura telhas de barro tipo capa canal sobre uma estrutura de madeira (Saia, 1989: p.138). O sistema construtivo, segundo o jornal O Ypiranga de 22 de janeiro de 1869, que havia sido adotado era o mais moderno e desenvolvimento para abrigar, segundo o contrato, máquinas modernas (Fig. 02: Conjunto Fábrica e o Cruzeiro Franciscano. Foto Sétimo, Acervo Museu Republicano, s/d).
A produção da fábrica era o de panos de algodão grosso, destinado a confecção de vestuário dos escravos e sacos para o transporte de produtos como o café. Nota-se que o tecido de algodão desta fábrica, segundo nos indica o jornal Gazeta de Campinas para o ano de 1871, poderia ser identificado devido ao seu trançado. O sugere esta afirmativa é o fato de terem inserido a denominação de “algodão da fábrica de Itu”, como parte da identificação para um anuncio de escravo fugido da fazenda de José de Campos Sales de Campinas.
segundo Elyziario Castanho, o Castan, em suas memórias publicadas com o título Scenas da Abolição, afirmou que no ano de 1866, chegou em Itu a primeira caldeira destinada a montagem da Fábrica São Luiz (Castan, 1924: p. 167 ).
Em agosto de 1869, com o título machina, os jornais Ypiranga e Correio Paulistano, noticiavam a chegada ao Porto de Santos de 383 volumes pesando 4.500 arrobas, da máquina de fiar e tecer algodão encomendadas dos Estados Unidos, por Luis Antonio de Anhaia. Observa-se também que em dezembro de 1869, após a inauguração, ainda estavam chegando alguns equipamentos destinados a montagem de uma máquina de cardar algodão.
Todos os maquinismos empregavam o vapor de 30 cavalos. O abastecimento de água para a caldeira tubular era realizado por meio de um canal de derivação que ligava uma bomba a vapor instalada junto a um riacho distante a 900 pés ingleses da fábrica a caldeira. No corpo da fábrica havia uma chaminé de tijolos de 70 palmos de altura e sobre ela um para raio (Fig.01: Fábrica de Tecidos São Luiz em finais do século XIX. Militão, Acervo Museu Paulista).
A escolha pelas máquinas americanas, possivelmente, estava relacionada à sua maior facilidade de manejo. Espacialmente o edifício seguiu um padrão americano, tendo o pátio da fábrica, uma construção menor abrigava o descaroçador, um picador e dois batedores, materiais suscetíveis a incêndios (Dean, 1976: p.17).
Para a montagem das máquinas e também para ensinar o trabalho aos operários brasileiros, o contrato com a Lidgerwood estipulava a vinda de dois homens habilitados. Esta assessoria técnica para a montagem e ensino foi repetida em outros contratos analisados para a instalação de fábricas de tecidos, como a de José Galvão de Salto. O que fato era adquirido como os importadores se estendiam a todas as etapas do projeto de instalação: da planta ao seu funcionamento (Zequini, 2004: p.58-59).
A fábrica, contava com todas as operações para a fabricação de tecidos, desde o descaroçador de algodão, a fiação e a tecelagem com 26 teares, além de uma bomba para apagar incêndio. A maioria dos operários era constituída por mulheres e crianças. Em 1872, identificaram-se, para o recenseamento brasileiro, como operários em tecidos em Itu livres e escravos sendo: livres, 32 mulheres e 3 homens e 6 escravos, sendo 5 mulheres e 1 homem, além de 3 estrangeiros: 2 homens e 1 mulher.
O projeto construtivo da São Luiz e o emprego do vapor serviram como modelo para a construção de outras fábricas instaladas na província de São Paulo, como também, em Minas Gerais, para a construção em 1872, da Fábrica de Tecidos Cedro, de propriedade dos irmãos Mascarenhas (Centenário da Fábrica Cedro, 1972: p. 57).
Quanto aqueles relacionados diretamente com a montagem e ensino do trabalho, foi possível identificar apenas três profissionais. O primeiro deles seria o engenheiro americano Willian (ou Guilherme) Pultney Ralston, engenheiro que foi enviado aos Estados Unidos por Lidgerwood para aquisição das máquinas e também responsável pelo projeto do edifício. Outro, o inglês mestre ferreiro Thomas Harre, que auxiliou na montagem das máquinas, pois era morador em Itu e o americano mestre em manufaturas Samuel Mott, que certamente veio com as máquinas para a sua montagem (Nardy, 1949: p.24).
Nota-se também que, a presença destes profissionais para a montagem das máquinas contribuiu para a formação daquilo que denominei de “saber itinerante e a formação do proletariado”, um grupo de técnicos estrangeiros que permaneceram no Brasil e foram responsáveis pela montagem de outras fábricas de tecidos ou então tornaram se proprietários, como o americano Guilherme P. Ralston, que em 1874 fundou juntamente com os irmãos Antonio e Augusto de Souza Queiroz a Fábrica de Tecidos Carioba, na Vila de Americana, localidade formada por imigrantes americanos na década de 1860, época da crescente agricultura algodoeira. (cf. Zequini, 1998). Outro itinerante foi o engenheiro mecânico Arthur Drysdem Sterry, que veio ao Brasil em 1877, por intermédio do importador de máquinas inglesas Samuel, Irmãos & Cia do Rio de Janeiro, para trabalhar na montagem da Fábrica de Tecidos de José Galvão na então Vila de Salto; em 1876, foi dirigir a Fábrica de tecidos Santa Francisca de Piracicaba e, em 1895 estava em Itu para participar dos trabalhos de ampliação da fábrica São Luiz, que haviam iniciado em 1888 com a aquisição de novas máquinas de procedência inglesa (Zequini, 2004: p. 68-70).
Em 1887, teve inicio a fase inglesa da São Luiz, ocasião em que a fábrica tinha como único proprietário Paulino Pacheco Jordão, que adquiriu nova caldeira e teares da Inglaterra. Nesta fase inglesa da fábrica foi construída uma nova chaminé de tijolos e reforçada com ferro, executado pelo arquiteto e mestre construtor francês Louis Marins Amirat, onde permanece sustentada a data de 1888. Em 1895, houve uma ampliação no edifício, anexo ao antigo, também construído em tijolos e projetado pelo inglês Arthur Sterry e executado pelo mesmo Amirat. Esta ampliação apresenta um forte contraste com a antiga construção, mais alto, janelas arqueadas, reboco horizontal e fachada neoclássica (Dean, 1976: p. 21).
Em 1900, observam-se através do inventário post-mortem de Paulino Pacheco Jordão, que as máquinas americanas já se encontravam, em parte, abandonadas, exceto os 24 teares que ainda estavam em funcionamento. Dos maquinismos ingleses, considerados modernos, estavam 31 teares para panos lisos e xadrez, além de oficina de ferreiro, máquina de prensar, engomador, maquinismo de fiação, batedor, picador, caldeira entre outros.
Entre os anos de 1903 a 1904, o vapor foi substituído pela energia elétrica que passou a impulsionar as correias que estavam acopladas às máquinas. A partir de 1931, após sucessivas vendas e incorporações a fabrica passou a ser de propriedade da família Pacheco, tendo como sócios: Servulo Pacheco e Silva, João B. de Matos Pacheco e José Elias Matos Pacheco. Atualmente, a família de Ricardo Pacheco e Silva, são os atuais proprietários do edifício que funciona como espaço cultural denominado de Espaço Fábrica São Luiz.
O Espaço Fábrica São Luiz
Através do Processo número 22338/82, Resolução 21 de 15/12/1983, do CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, o edifício e algumas máquinas que ainda se encontravam no local foram consideradas como patrimônio cultural do Estado. O Tombamento que reconhecia e protegia esse patrimônio cultural foi justificado pelas “inegáveis razões de ordem histórica bem como sua arquitetura representativa e de grande valor ambiental”. Considerava também, que a presença daquela fábrica foi determinante na configuração do Largo de São Francisco, onde está situado o Cruzeiro franciscano. Além disso, o edifício está localizado dentro do chamado eixo histórico da cidade que passou a ser preservado a nível estadual, em 2003, no mesmo ano em que o espaço da Fábrica foi aberto ao publico. (De Decca, 1982: p.18)
Maria Auxiliadora De Decca, autora do texto base da abertura do processo de tombamento, sugeriu que a reutilização do edifico deveria levar em conta interesses culturais prioritários da comunidade ituana, pois uma vez “caracterizado o pioneirismo da Fábrica de Tecidos São Luiz” deveria ser instalado no local um museu da indústria têxtil paulista (De Decca, 1982: p.21-22).
Em 2003, o espaço interno do edifício foi aberto ao público com uma festa aos antigos operários de turistas que frequentam Itu, já que a cidade é uma Estância Turística do estado de São Paulo. O espaço passou a ser preparado com recursos dos proprietários para dar sustentabilidade ao patrimônio e instalados alguns serviços e escritórios da PROTUR, Associação Pró-Desenvolvimento do Turismo da Fazenda Histórica Capoava além de uma oficina de marcenaria. Outras alternativas de sustentabilidade foram, segundo o atual proprietário Ricardo Pacheco e Silva, foram criadas a partir da “interação com o público” que passaram a visitar o edifício, e que sugeriam alternativas para a ocupação do espaço (Fig.03 Aspecto atual do interior do Espaço Fábrica São Luiz. Arquivo Pessoal, 2016).
Assim foi criado o Espaço Fábrica São Luís, local onde são sediados eventos sociais e culturais. O espaço é locado para filmagens de propagandas comerciais, cerimônias e festas de casamentos, exposições fotográficas, de flores (orquídeas), festivais de cinema e apresentações musicais, além da presença de um comercio para a venda de artesanatos e uma oficina de fabricação de carrinhos de rolimã.
O Museu da indústria têxtil paulista, como indicado no texto do Tombamento, até o momento não foi instalado. Contudo, nas palavras de Warren Dean, o edifício em si preservado, constitui um
Contudo, o edifício ainda preservado é, um “extraordinário monumento do início da industrialização no Brasil”. Pois (Dean, 1976: p. 25)
Bibliografia:
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ZEQUINI, Anicleide. O Quintal da Fábrica: a industrialização do interior paulista – Salto, SP. São Paulo,SP: Annablume- FAPESP, 2004
ZEQUINI, Anicleide. Personagens do Urbano: o saber itinerante e a formação do proletariado na região de Itu 1869-1920. 1998, mimeo.
Curriculum da Autora:
Anicleide Zequini. Doutora em Arqueologia, na modalidade Histórica pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Mestre em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas. Especialista em Pesquisa/Historiadora no Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Atua nas áreas de História Social com ênfase na área de história da técnica e tecnologia e história social do trabalho. É autora de livros Papel de Salto: 110 anos de Evolução e Tecnologia: primeira fábrica de Papel do Brasil; O Quintal da Fábrica, a Industrialização pioneira do interior paulista, séculos XIX-XX e a Banda de Itu: 100 anos de luta e glória 1912-2012 e artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras. Contato: [email protected]