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Publicado: Sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Fazenda Capoava: Origem e Atualidade

 Fazenda Capoava: Origem e Atualidade

Anicleide Zequini

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1- Itu: Povoamento e ocupação das terras do Bairro Pirahy

         A história da ocupação territorial de Itu está intimamente relacionada aos movimentos colonizadores em direção ao interior de São Paulo. Itu, fundada por Domingos Fernandes e Cristovão Dinis, teve sua origem ligada à construção de uma capela em devoção à Nossa Senhora da Candelária do Utu-Guassu [1]. Em 1653 foi elevada à condição de Freguesia, subordinada à de Parnaíba; a Vila em 1654, e a Cidade somente em 1842.

         A descoberta das minas de ouro em Minas Gerais no século 17 e, pouco anos depois no início do século 18, a descoberta das jazidas no extremo oeste e centro oeste em Mato Grosso e Goiás, colocou Itu na rota deste comércio. Aventureiros de toda parte, e também ituanos, embarcaram em grandes canoas  do Porto de Araritaguaba (Porto Feliz) rumo às minas.  Itu, com extensas roças de milho,  “era o empório em que os que iam partir se abasteciam do que lhes era necessário: roupas, fazendas, ferramentas e outros artigos e gêneros”[2].

A partir da segunda metade do século 18, as lavouras de exportação com  extensas plantações de cana de açúcar,  na área denominada de quadrilátero do açúcar  formada pelas localidades de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guassu e Jundiaí   destacando-se Itu e Campinas, modificam a paisagem e a dinâmica de ocupação das terras [3].

Itu  foi uma das primeiras localidades a ter se dedicado ao cultivo da cana-de-açúcar, o que ocasionou um grande aumento no número de escravos, edificações rurais, engenhos de açúcar, criações de gado, ovelhas, cavalos e do comércio de terras que fizeram desaparecer o sertão e impulsionaram o desenvolvimento urbano.

         Em 1798, eram 107 os engenhos produzindo 64.809 arrobas de açúcar; no ano seguinte, 113 com a produção de 73.506 arrobas; em 1803, 130 com produção aproximada de 80.000 arrobas.[4]A população continuou a crescer e o número de escravos havia duplicado ao fim do período colonial. Em 1791, foram “importados 300 escravos vindo de Benguela para trabalhar nas plantações e na fabricação do açúcar”  destinado ao consumo e à exportação. Em 1783, a região de Itu era responsável pela maior parte do açúcar consumido na Província de São Paulo.[5]

         A região do Pirahy, uma das áreas mais antigas de ocupação rural de Itu, cuja  denominação está relacionada à presença do ribeirão Pirahy, que atravessa toda a região[6]. Na segunda metade do século 18,  aparece ocupada e dividida em dois bairros distintos, Pirahy de Baixo e Pirahy de Cima. O primeiro deles, com uma área territorial  fragmentada, indicando ocupação mais antiga da terra por proprietários rurais que haviam adquirido as áreas por sesmarias, partilhas de herança, troca, dote, doação e, em  sua maioria por compra e venda. Quase a totalidade das terras que formavam os Sítios  possuíam  plantação de cana-de-açúcar e fábrica de açúcar com seus pertences, para processamento da cultura e numerosos escravos para o trabalho.

Sítios e engenhos de açúcar recebiam denominações a partir de aspectos  geográficos, especialmente os  fluviais, existentes no local, como  Sítio Pirahy (rio do peixe), Rochedo, Ingá-mirim, Ingá-guassu, Concórdia, Floresta, Pirapetingui, Água Branca, Capoava (rancho coberto de sapé), Tanque, Grama, entre outros. Denominações que repetiam-se com  grande freqüência como, Tanque, Grama, Pirahy e Capoava, provavelmente áreas que tinham um referencial comum, um rio, um tanque d'água  ou outro elemento.

         O Sítio Tanque ou  O Tanque, denominação que aparece nas escrituras de compra e venda de terras do Bairro Pirahy de Baixo, já existia na primeira metade do século 18 época em que migraram para Itu, provenientes de Santana do Parnaíba, os descendentes de Felippe de Banderborg[7]cujas terras formariam o Sítio de Leonor Garcia de Vasconcellos Noronha, deixado por herança em 1870, com a denominação de Capoava.

         Em 1739,  Fillipe de Campos Leite, neto de Felippe de Banderborg, casa-se em Itu com Jacinta de Arruda cujos filhos, Antonio Pires de Campos, Manoel Leite de Sampaio e Maria Leite de Arruda aparecem, na segunda metade do século 18, como vendedores e compradores do Sítio O Tanque. Num dos registros mais antigos dessa propriedade, escritura de troca de terras datada de  1751, encontramos Lourenço de Almeida Prado trocando o Sítio O Tanque com o Sítio Morro de propriedade de Bento Lara Bueno. Nesta mesma escritura,  Lourenço de Almeida Prado afirma que obteve as terras por compra  de José do Amaral Gurgel.[8]

         Em 1770, Bento Lara Bueno vende o Sítio O Tanque para Antonio Pires de Campos e seu cunhado Antonio do Amaral Gurgel, contendo “uma casa de três lanços e paredes de mão cobertas de telhas”, tendo como limites as terras de Antonio Ferraz de Arruda e José do Amaral Gurgel [9].

         Em 1774, Antonio Pires de Campos vendeu a metade desta propriedade ao seu irmão  Manoel Leite de Sampaio[10]e Antonio do Amaral Gurgel, também proprietário de partes desta terra, vendeu “um resto”  para Bento Dias Pacheco, que as revendeu ao Padre Antonio Ferraz Pacheco[11]. Ratificação, em 1800, indicava que estas últimas terras confrontavam com as de Manoel Leite de Sampaio e João de Almeida Prado[12]. Outro “resto” de terras do Tanque, Antonio do Amaral Gurgel vendeu a Manoel Leite de Sampaio, aproximadamente, em 1794.[13]

         Em 1809, Manoel Leite Sampaio, já proprietário de metade e mais um “resto” das terras do Sítio O Tanque, aparece adquirindo outras terras no mesmo bairro do Pirahy de Baixo. Terras contíguas às dele, tendo como vendedor Manoel Gurgel do Amaral, com:

 

“casas de vivenda cobertas de palha, e de engenho também cobertas de palha com casa de expurgar cobertas de telhas, com as terras a ele pertencentes a saber quatrocentas de sertão com seiscentas de testada, terras que já foram pertencentes ao sítio dele comprador e um nesga mais de terras onde se acha a casa de vivenda, e Engenho, e bem assim cem braças de testada com cem braças de sertão com o que se achar na testada dos fundos das terras do Tenente João de Almeida Prado mais duzentas braças em quadra nos fundos do Padre Francisco Xavier de Carvalho”[14]

 

Aos poucos Manoel Leite de Sampaio passa a ser o proprietário das terras do Sítio O Tanque, restando as terras que haviam sido vendidas para o Padre Antonio Ferraz Pacheco. Observamos que João de Almeida Prado aparece como vizinho das terras de Manoel, e esta relação de vizinhos continua durante toda a segunda metade do século 18 e depois com os respectivos herdeiros no século 19.

         A fragmentação do Sítio O Tanque e sua aglutinação novamente como propriedade de Manuel Leite Sampaio é um movimento que se repete também para as terras vizinhas como as de João de Almeida Prado e dos Pacheco,  o que equivale a afirmar que estas propriedades tiveram  trajetórias distintas.

Durante todo o século 19, observamos um intenso comércio das terras rurais no Bairro do Pirahy e também a presença de novas famílias que promoveram a expansão da cultura  canavieira e  a do café, após 1850.

         Manoel Leite Sampaio casou-se quatro vezes e, consequentemente, as  terras do Sítio O Tanque foram inventariadas e divididas neste mesmo número de vezes. À época de seu falecimento e inventário, em 1810, estava casado com Escolástica Fabiana Siqueira. Seus filhos do primeiro casamento: Felipe Neri de Campos e o ajudante José Ferraz Leite  herdaram aquele Sítio e Antonio de Sampaio Leite outra propriedade, denominada de  Sítio da Capoava e as terras que foram compradas de Manoel do Amaral Gurgel. [15]

2- Capoava de Antonio Leite de Sampaio

     No início do século 19, a presença da cana-de-açúcar em Itu destacava-se aos olhos de muitos viajantes estrangeiros, como Bayer, que visitou a localidade em 1813. Em suas impressões sobre o local escreveu:

 

“antes de chegar à cidade de Itu, o terreno é cultivado e todos os campos são ornados com plantações de cana e ao pé de cada rio encontram-se engenhos e alambiques, que são movidos por água”...   “Viajando pelos arredores de Itu é impossível não notar que toda gente de classe baixa tinha os dentes incisivos perdidos pelo uso constante da cana de açúcar, que sem cessar chupam e conservam na boca em pedaços de algumas polegadas. Quer em casa quer fora dela, não a largam e é possível que esta também seja a causa de haver aqui mais gente gorda do que em outros lugares. A classe superior gosta igualmente de doce, pelo que recebeu a alcunha ‘mel do tanque’. Isto é o melhor melado produzido na fabricação do açúcar” . Os próprios bois e os burros também participam da mesma inclinação e encontram-se eles, tal qual seus condutores, mastigando cana”.[16]

         O Sítio da Capoava aparece citado como parte dos bens de raiz no inventário de Manoel Leite de Sampaio realizado em 1810. Deste documento consta que o sítio O Tanque, posteriormente partilhado entre os filhos Felippe Neri de Campos e José Ferraz Leite possuía:

 

“duas mil (...) braças de testada  com três (...) de sertão nos fundos do Tenente (...) Campos, e o Capitão Francisco da (...) Paes de Campos, e da parte de baixo com Pedro Correa, e da  parte de cima com o sítio da Capuava com Engenho, fábrica de fazer açúcar, casas de vivenda de três lanços, paredes de taipa de pilão e todos os seus pertencentes”[17].

         Na partilha, coube a Antonio Leite de Sampaio o Engenho da Capoava com todos os seus pertences menos cinco escravos, e ainda as terras que seu pai havia comprado de Manoel do Amaral Gurgel. Neste momento Antonio aparece já de posse do Engenho da Capuava e era o seu administrador.

         Vale ressaltar que as Terras e Engenho da Capoava foram comprados do Padre Antonio Ferraz Pacheco, que naquele inventário aparece cobrando a dívida que ainda existia pela compra do referido Engenho. Em algumas linhas escritas de próprio punho, o Padre Antonio Ferraz Pacheco registra “que a herança de Manoel Leite de Sampaio lhe ficou devendo de resto do Engenho”, que ele havia vendido pela quantia de 7:513$310 RS e que o mesmo se  “achava lançado no inventário com consentimento da viúva e herdeiros”[18].

Neste mesmo inventário há um termo de cessão do Engenho da Capuava. Ou seja, as terras da Capoava, provavelmente, eram as mesmas que haviam sido desmembradas do Sítio O Tanque e vendidas, no final do século 18. Retornando às mãos de Antonio, estavam novamente em posse da família Sampaio. As terras que formavam o Sítio e Engenho da Capoava constam também, com a denominação de Capoava de Baixo, pois estavam situadas no Bairro do Pirahy de Baixo.

          Nos registros existentes encontram-se, com alguma freqüência, outros Sítios denominado Capoava, como o que pertenceu a Bento Dias de Almeida Prado, Barão do Itaim. Este Sítio, possivelmente, originou-se do desmembramento de terras herdadas de João de Almeida Prado, proprietário que aparece desde o final do século 18 com suas terras vizinhas ao Sítio O Tanque, de Manoel Leite de Sampaio.

O Sítio  Capoava do Barão do Itaim,  descrito no inventário de seu pai, Francisco de Almeida Prado, em 1857, estava localizado  na divisa do Sítio de Leonor Vasconcellos Noronha, segunda esposa de Antonio Leite de Sampaio, dado que vem confirmar que este Sítio Capoava do Barão do Itaim, tem sua origem em outras terras e não as que originaram a Capoava/Japão, objeto da presente pesquisa.[19]E outras Capoavas existiram, como a que encontramos entre os bens de raiz relacionados no inventário  de Bento Paes de Barros, Barão de Itu, de 1858.[20]

Capuava ou Capoava era uma denominação bastante comum na região de Itu, para a qual há diferentes explicações: uma delas atribui esta denominação ao significado que a palavra tem em tupi-guarani, “rancho coberto de sapé”; outra ao aspecto agrícola, “terreno para roças”. Esta segunda explicação torna-se mais convincente se observarmos a quantidade de matacões formados por granito existentes no Bairro Pirahy de Baixo, imprestáveis para a agricultura, o que tornaria lógico indicar-se por um termo específico – capoava – aqueles terrenos propícios para plantações.

         A Capoava que nos interessa, pertencente a Antonio Leite de Sampaio, está descrita no inventário do seu pai Manoel Leite de Sampaio e, ainda que  precária, é possível  ter impressões sobre a sua constituição. Assim descreve:

 

“um Engenho com quinhentos (...) de testada e mil de sertão (...) mais cem braças de testada com duas mil e seiscentas de sertão partindo da parte de cima com o Tenente João Paes Almeida Prado, Antonio do Amaral e José de Toledo Piza até intestar com as terras do Engenho do Tanque com casas de vivenda de três lanços de taipa de pilão com quatro lanços unidos, Engenho com as casas pertencentes, formas, tendais, caixas, cinco cobre usados, engenho de serrar  madeiras”[21].

         Deste documento constam também os instrumentos agrícolas existentes como enxadas e machados; as criações de gados, porcos, cabras;  roças de milho e feijão, canaviais, quarenta e três escravos para o trabalho do engenho e agricultura e inúmeras ferramentas de carpinteiro, necessárias para a construção das moendas e sua manutenção.[22]

         Entre os anos de 1839 e 1850, o Sítio Capoava foi fragmentado, primeiramente após o falecimento da primeira esposa de Antonio Leite Sampaio, Francisca de Paula Leite, em 1839[23]e, em 1850, com o falecimento do proprietário. Não encontramos o inventário de Francisca de Paula Leite, que, possivelmente, não tenha sido realizado (o que era bastante comum) e  as terras tenham sido inventariadas somente em 1850.

            Neste ano,  a propriedade estava constituída de centenas de escravos, roças de milho, feijão, canas maduras, alambique, tijolos de adobe, telhas e tijolos de ladrilho, possivelmente fabricados no local. Na descrição dos bens de raiz, consta:

 

“um sítio no bairro do Pirahy de baixo com casa grande parede de pilão casas de caixão, armazém com moinho, engenho de serra, engenho d’água com cilindros deitados, casas de tendal e casas com pilões, tudo coberto com formas de pau e de barro, cobres (...), mais utensílios da fábrica de apurar, senzalas, partes de currais e mais benfeitorias, caixões, estanques, com as terras a ele pertencentes tendo a testada de setecentas braças, e duas mil e seiscentas de sertão, partindo a testada com terras de Francisco Pereira Mendes, com terras do Sítio do Sobrado, e o Sertão partindo de um lado com terras de Francisco de Almeida Prado, afim da testada com terras da herança do finado Tenente Fernando Dias Paes Leme e o sertão parte com terras do sítio denominado Tanque com o qual por comum acordo da Inventariante e herdeiros e o confinante ajudante José Ferraz Leite de Sampaio continua assim (...) caminho para a cidade de Itu do sítio avaliado por divisa ficando o (...) atual respeitado por pertencente ao sítio até dar no ribeirão deste mesmo sítio e daí seguindo o rumo antigo das setenta braças a nordeste até dar no ribeirão do sítio do herdeiro. Firmando e daí medir se cinqüenta braças para o lado do sítio do Tanque a seguir o mesmo rumo a Nordeste até encontrar com as terras da Grama, com as mais terras pertencentes ao mesmo sítio, que são bem constituídas pela quantia de (...) 22:000$000 RS”[24].

 

A partir desta descrição é possível identificar elementos presentes na Capoava e que eram tidos como fundamentais para o êxito dos sítios cultivados. As matas do sertão  eram transformadas em lenha para os engenhos e a água era indispensável para a fabricação do açúcar e aguardente, e como força motriz para as rodas d’água que proporcionavam movimento às moendas e às serras de madeira.

Nota-se também a presença da casa grande, senzalas e engenho d’água com cilindros deitados, cuja instalação  requeria a construção de encanamento até o local onde estavam instalados os  cilindros  deitados ou horizontais, cuja técnica, mais vantajosa que a dos cilindros verticais, era  conhecida em São Paulo desde as primeiras décadas do século 19.

         Na partilha dos bens, Leonor Garcia de Vasconcellos Noronha, segunda esposa de Antonio Leite Sampaio, herdou todas as benfeitorias existentes no Sítio e parte das terras em seu entorno. Francisco de Almeida Prado era um dos seus vizinhos.[25]

As outras partes herdadas  constituíram outras fazendas, como, por exemplo, a Água Branca. Indício deste processo pode ser observado, em 1860, através de um dos registros de compra e venda encontrados. Lá está a venda de terras denominadas Água Branca, por Manoel Leite Sampaio, filho de Antonio  à Francisco de Almeida Prado,  área constituída de parte comprada de João de Paulo de Camargo e  outra recebida por herança de seu pai, Antonio de Sampaio Leite, propriedade que, em 1881, fazia divisa com a Fazenda Japão. [26]  

3- Capoava de D. Leonor Garcia de Vasconcellos Noronha

As terras que formaram o Sítio de D. Leonor, assim denominado em escrituras  e   Registro de Terras realizado em 1855, formaram-se a partir de  terras herdadas em partilha e compra de terras vizinhas  confirmadas através de registros de compra e venda, inventários e testamentos.

Consta do registro de terras realizado pela Província de São Paulo, em 1855, que as terras pertencentes a Leonor Garcia de Vasconcellos foram constituídas de partes da herança de seu marido e partes  compradas de João Leite de Camargo, herdeiro de José Ferraz Leite de Sampaio, seu cunhado. Em 1856, adquiriu  o sítio de Anna Ferraz de Campos, ampliando desta forma a  propriedade denominada  Capoava, que deixou de herança, em 1870, para seus sobrinhos,  filhos do Capitão Antonio Nardi de Vasconcellos[27]

Nesse ano, a Capoava  possuía 69 escravos, 32 carros de milho, 15 alqueires de feijão, 100 alqueires de café, 6 alqueires de carrascal (arbustos), 30 quartéis de cana nova e 15 quartéis de cana madura, gados além de fábrica de açúcar e aguardente e, também um bangüê provavelmente para viagens à cidade [28].

As terras foram divididas em sete partes iguais mas permaneceram unidas por determinação feita  por Leonor em testamento, que permitia apenas  a  sucessão das terras de pais para filhos, não podendo ser vendidas e nem alienadas [29]. Para a administração desta propriedade foi  organizada a Sociedade Nardi & Irmãos que, em 1878, entra com um processo de Anulação de Verba Testamentária e pedido de medição para a venda  da propriedade, o que se realizou  em 1880 [30]. Entre os anos de  1856, data da última aquisição, até o ano de 1880, a área territorial da Capoava permaneceu inalterada.

         Em 1880, as terras da Capoava confrontavam com as de Manoel Leite de Sampaio (Fazenda Cana Verde, época em que já se havia vendido a Água Branca); Manoel Rodrigues de Souza; Carlos Vasconcellos de Almeida Prado (parte das Terras do Sítio Grande); Francisco Emygdio da Fonseca Pacheco (Fazenda Floresta); Anna Eufrosina Pereira Mendes (Fazenda Conceição).

Com os novos proprietários, Virgílio Augusto de Araújo e João Guilherme da Costa Aguiar, formou-se a  Sociedade Araújo & Aguiar e mudou-se a denominação para Fazenda Japão, como é conhecida na atualidade. A  medição processada em  1881 registrou uma área de quinhentos e treze hectares e quatro aros [31]. Em 1885, a Fazenda Japão passa a ser de Virgílio Augusto de Araújo que a transforma numa propriedade cafeeira.

Observamos que a partir da segunda metade do século 19, seguindo um movimento impulsionado pelos bons lucros que traz, a cultura do café começa a se expandir. Itu entra na era republicana com uma paisagem rural marcada pela presença do café, que já dominava a maior parte dos bairros rurais, como o Pedregulho, Pirahy, Apotribu de Cima, Pinheirinho, Itaim , entre outros. A casa-grande da lavoura canavieira  é substituída pela sede da fazenda cafeeira  e a senzala pela colônia.

Na Fazenda Japão,  a presença da casa-grande e senzalas testemunham o passado da riqueza da cana-de-açúcar, mas outros equipamentos como as máquinas de beneficiamento do café e casas de colonos, a emergência da cultura cafeeira.

4- Fazenda Capoava/ Japão

         A família Araújo Aguiar ficou como proprietária da Fazenda Japão até o ano de 1942. Durante este período transformou a propriedade com cafeeiros  fazendo desaparecer  por completo a cana-de-acúcar e o engenho cuja evidência está na existência de valas que levavam água até a fábrica de açúcar,  depois  reaproveitadas para impulsionar a máquina de beneficiamento de café. A partir da década de 1890, a Fazenda Japão começa a receber os primeiros imigrantes italianos[32].

         Nos primeiros anos do século XX, a Fazenda Japão era estritamente cafeeira,  possuía “212 alqueires de terras com cento e vinte e cinco mil pés de café formados, cinqüenta alqueires de pastos e vinte alqueires de mata virgem, casa de morada com pomar e horta, escritório, paiol, depósito, duas tulhas, rancho, estribarias, terreiro de café, lavador, máquinas de beneficiamento tocada a água, provavelmente a mesma que ainda lá encontrada marca ‘Frederighi’, moinho de fubá, cento e dez cabeças de gado, alguns porcos e trinta e seis casas de colonos”[33]. Em 1925, a Fazenda  estava para ser vendida mas isto aconteceu apenas em 1942[34]. Joaquim Galvão de França Pacheco, novo proprietário, recebeu as terras com as casas dos colonos, segundo a descrição na escritura de permuta, em mau estado de conservação e os vinte e cinco mil pés de café ainda estavam lá.[35]Neste mesmo ano foram anexados à Fazenda Japão, 163 alqueires da Fazenda “Sítio Grande [36], e os 372 alqueires que passaram a constituir o total da Fazenda Japão vendida, em 1943, para  João Baptista Sampaio Lara e herdadas por Roberto de Paula Leite Lara e este, em 1978, vendeu  170 alqueires e 356 metros quadrados,  que originaram  a Fazenda Sant’Ana.

5- Fazenda Capoava de Paulo e Maria Alice

Nos primeiros meses do ano 2000, um novo desmembramento da Fazenda Japão constituiu a Fazenda Capoava, retomando-se, assim, a denominação original do século 18. Seus proprietários Paulo Sampaio de Almeida Prado e Maria Alice Setubal darão um novo destino a estas terras ao abri-las para o Turismo Rural. As estruturas lá existentes, como a casa-grande, em estilo bandeirista de taipa de pilão, construída em meados do século 18,  senzalas, máquina de café, valas - antigos canais de derivação que levavam a água ao engenho de açúcar e que serviram depois para impulsionar a máquina de beneficiamento – e casas de colonos são testemunhos de diferentes culturas e organizações do trabalho que ali se estabeleceram durante, aproximadamente, três séculos de história da Fazenda. Trajetória  intimamente ligada à história de Itu  e do povoamento do estado de São Paulo.

   


Notas

[1] Utu-Guassu ou Ytu-Guassu deve-se a presença de uma cachoeira do rio Tietê junto ao local onde atualmente está a cidade de Salto-SP. Em tupi-guarani Ytu= queda d`água, Guassu= grande

[2] Ianni, Octavio. Uma Cidade Antiga, Campinas-SP: Ed. Unicamp, 1988  p. 18

[3] Sobre a questão do quadrilátero ver: Petrone, Maria Thereza S.  A Lavoura Canavieira em São Paulo, São Paulo: Ed. Dif. E. do Livro, 1978, p. 41

[4] Petrone, Maria Thereza. Op. cit.  p. 42

[5] Abreu, Manoel Cardoso de. Divertimento Admirável. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , vol. V, 1899-1900 p. 253

[6] Pirahy= rio do peixe

[7] Leme, Luiz Gonsaga da Silva. Genealogia Paulistana. SP: Duprat & Comp., vol. 4, 1904.

[8] Escritura de troca que fazem Lourenço Almeida Prado e sua mulher Maria de Arruda Paxeco a Bento de Lara Bueno e sua mulher Maria Dias Leite, 1751.

[9] Escritura de compra e venda do Sítio Tanque bairro Pirahy em 9 de julho de 1770. Fichas diversas, Arquivo Aguirra. MP/USP.

[10] Inventário de Anna de Arruda, inventariada; Manoel Leite de Sampaio, inventariante. 1º Of. 1781. MRCI/MP/USP

[11] Sítio Pirahy de baixo na paragem Tanque. Fichas avulsas. Arquivo Aguirra, MP/USP.

[12] Escritura de ratificação entre o Capitão Bento Dias Pacheco e s/m Isabel de Campos Arruda e o Padre Antonio Ferraz Pacheco. Livro 13, 1800, fl. 81

[13] Escritura de ratificação de venda e compra de uma porção de terras que vendem Antonio do Amaral Gurgel e s/m D. Maria Leite a Manoel Leite de Sampaio, 1809.

[14] Escritura de venda, compra de um sítio engenho e terras no bairrro do Pirahy de baixo que vendem Manoel Gorgel do Amaral, e sua mulher Maria Florencia de Arruda a Manoel Leite de Sampaio. 1809.

[15] Autos de Inventário de Manoel Leite de Sampaio, D. escolástica Fabiana de Siqueira, inventariante. 1810 maço 18 fl. 44.

[16] Beyer, Gustavo. Ligeiras notas de viagem do Rio de Janeiro à Capitania de São Paulo, no Brasil, no verão de 1813,... apud. Petrone, Maria Thereza S. A Lavoura Canavieira em São Paulo: expansão e declínio (1765-1851). SP, Difusão Européia do Livro, 1968.  pp. 42-43

[17] Inventário de Manoel Leite de Sampaio, D. Escolástica Fabiana de Siqueira, inventariante. 1º of. Maço 18, 1810.

[18] Idem, fl. 25

[19] Inventário de Francisco de Almeida Prado; D. Anna Joaquina de Vasconcellos Noronha, inventariante.      1º Of., 1857 fl. 33

[20] Inventário Barão de Itu; Dr. Antonio de Aguiar Barros inventariante. 1º Of. , 1858, fl. 20v.

[21] Idem 

[22] Petrone, Maria Thereza. Op. cit.  pp.83-89

[23] Deste primeiro casamento Antonio Leite de Sampaio, deixou 14 herdeiros.

[24] Inventário de Antonio Leite Sampaio, Leonor Garcia de Vasconcellos Noronha, inventariante. 1850.

[25] idem

[26] Manoel de Sampaio Leite, adquiriu a Fazenda Cana Verde, de José Galvão de Almeida, em 1868. Em 1880 estava trocando estas terras pela da Fazenda Vassoural, de Joaquim Bueno de Camargo.

[27]Escritura de compra e venda. Anna Ferraz de Campos, vendedor; Leonor Garcia de Vasconcellos, comprador 1856. Neste ano possuía também o Sítio Pirapetingui, que foi vendido para pagamento das despesas com o inventário.

[28] Inventário e testamento de D. Leonor Garcia de Vasconcellos Noronha. 1870.

[29] Idem

[30] Autos Cíveis de anulação de verba testamentária. Cap. Antonio Nardy de Vasconcellos, suplicante; D. Leonor Garcia de Vasconcellos, suplicado. 1º Of. 1878.

Autos Cíveis de Medição de terras do Sítio Capoava. 2º Of. 1878.

[31] Traslado de escritura de venda e compra de um sítio e terras, que fazem Nardi & Irmãos, representados  pelos sócios Francisco Antonio Nardi e outros aos Doutores Virgilio Augusto de Araújo e João Guilherme da Costa Aguiar, 1880.

[32] Sader, Maria Regina C. de Toledo. Evolução da paisagem rural de Itu, num espaço de 100 anos. FFLCH-USP, 1970 p. 66

[33] Interdição. Virgílio de Araújo Aguiar, requerente; D. Hortência de Araújo Aguiar, requerido. 1º Of. 1905 fl. 39v.

[34] Edital de Praça e arrematação da Fazenda Japão. Jornal A cidade, Itu-SP, 10.dez.1925.  fls. 2-3

[35] Escritura de 23 de fevereiro de 1942, lavrada nas notas do 2º tabelião de Itu. 3G, fls. 267

[36] Escritura de 10 de novembro de 1942, lavrada nas notas do 2º tabelião de Itu, transcrita no livro de Transcrição das Transmissões no 3-H, fls. 70

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