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Publicado: Sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Fontes para o estudo da escravidão

Entre os inúmeros conjuntos de documentos escritos existentes no Museu Republicano "Convenção de Itu", unidade do Museu Paulista da Universidade de São Paulo localizada na cidade de Itu-SP, podemos destacar os documentos cartorários formados por Inventários, Ações de Liberdades, Tutelas e os procedentes dos Cartórios de Imóveis como os Registros de Compra e Venda, que constituem um recurso bastante importante para as pesquisas relativas ao período da escravidão.

Os inventários são ricos em informações e surpreendentes pela diversidade de documentos que podem ser encontrados referentes aos bens de uma determinada herança como móveis (cadeiras, mesas, relógios, carroças, liteiras, caixas para açúcar, etc.); prataria (colheres, estribos, correntes); ourivesaria (cordão, alfinetes, etc); semoventes (vacas, porcos, cavalos, cabras, etc); bens de raiz (casa, senzalas, fábricas de açúcar, paiol, chácara, sítios, etc) e escravos.

Na listagem referente aos escravos encontramos os seguintes dados: nome, idade, procedência, estado civil, nome do cônjuge, nome e número de filhos, habilidades para o trabalho (de roça, carpinteiraria, cozinha, etc.) e o valor monetário de cada um deles, que permitem conhecer a constituição do trabalho de uma determinada casa ou fazenda.

A análise desses mesmos tipos de documentos por um período de tempo, demonstra a participação e tratamento dados aos escravos. É percorrer uma linha do tempo que já foi escrita decifrando suas tramas e regras sociais.

A partir de 1871, os inventários passaram a contar com outros documentos que se tornaram obrigatórios após a Lei número 2.040, denominada Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre, publicada em 28 de setembro de 1871. Esta Lei permitiu a criação de um Fundo de Emancipação, obrigatoriedade da matrícula de todos os escravos e, ao próprio escravo, a formação de um pecúlio, economia que poderia ser acumulada através de doações, heranças e por consentimento do senhor, através de seu trabalho.

Assim, encontramos anexados aqueles documentos as certidões que são as provas do cumprimento daquela legislação. Podem estar na forma de guias, listagens e declarações que permitem conhecer suas características físicas e os dados considerados importantes para identificação dos escravos.

Um exemplo desse tipo de documento está no inventário de Francisca Theresa Guimarães, de 1882. Trata-se de uma certidão de declaração de nascimento de um "Ingênuo", uma menina, nascida em Jundiaí, que recebeu o nome de Julieta, filha da escrava Margarida, solteira, mucama de Antonio Bazilio de Vasconcellos de Barros.
Outros documentos, referentes à Lei do Ventre Livre, são as listagens de matriculas e os Processos de Liberdade. As listagens, encontradas também em inventários, apresentam o número da matrícula do escravo, nome, cor, idade, estado civil, naturalidade, filiação, aptidão para o trabalho e profissão. Como exemplo podemos destacar o inventário de Maximiano Xavier Bueno, de 1884, onde consta de uma destas listas a escrava Maria, matriculada "sob o número 577, preto, 25 anos, solteira, nascida em Cabreúva, filha de Betosino e Izabel, cozinheira e apta ao trabalho".

Os Processos de Liberdade, embora possam ser encontrados antes de 1871, após esta data, tornam-se mais freqüentes na documentação cartorária. Este tipo de documento nos oferece informações sobre o cotidiano do escravo, pois apresenta através de petições e documentos anexados, a condição de seus filhos, maridos e esposas. Apenas como observação, podemos destacar que das 84 petições apresentadas ao Juiz ao primeiro ofício da Comarca de Itu, à Processo de Liberdade, entre os anos de 1872 a 1887, foram alforriadas 2 crianças, 38 homens e 42 mulheres.

Além destas informações, muitos ao escrever nos processos demonstram também o seu posicionamento político. É o caso de uma petição, de 1886, em que se pede a liberdade de um escravo. Nela está escrito que "apesar de quase meio século de cativeiro não pode esquecer-se que livre nasceu lá nessas paragens longínqua onde só o sol é ardente, a liberdade é plena".

Assim, poderemos enumerar muitos outros exemplos de informações que podem ser extraídas dos documentos cartorários para recompor a história da escravidão: dos escravos na sociedade escravista, dos escravos numa sociedade de transição para o trabalho livre e, após a abolição, sua trajetória no processo de cidadania.


Listagem nominativa dos escravos matriculados conforme o artigo 2º do regulamento n. 4.835 de 1º de dezembro de 1871.

Documento encontrado no inventário de D. Francisca Theresa Guimarães, em 1882.

Acervo: Museu Republicano/Museu Paulista/USP.








Declaração de nascimento de filhos de escravos após a Lei do Ventre Livre

Neste caso, refere-se ao nascimento de José, filho de Catharina e Balduino, escravos matriculados de Maximiano Xavier Bueno, paresentados no Inventário do mesmo, em 1884.

Acervo: Museu Republicano/Museu Paulista/USP.



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