Fontes para o estudo da escravidão
Os inventários são ricos em informações e surpreendentes pela diversidade de documentos que podem ser encontrados referentes aos bens de uma determinada herança como móveis (cadeiras, mesas, relógios, carroças, liteiras, caixas para açúcar, etc.); prataria (colheres, estribos, correntes); ourivesaria (cordão, alfinetes, etc); semoventes (vacas, porcos, cavalos, cabras, etc); bens de raiz (casa, senzalas, fábricas de açúcar, paiol, chácara, sítios, etc) e escravos.
Na listagem referente aos escravos encontramos os seguintes dados: nome, idade, procedência, estado civil, nome do cônjuge, nome e número de filhos, habilidades para o trabalho (de roça, carpinteiraria, cozinha, etc.) e o valor monetário de cada um deles, que permitem conhecer a constituição do trabalho de uma determinada casa ou fazenda.
A análise desses mesmos tipos de documentos por um período de tempo, demonstra a participação e tratamento dados aos escravos. É percorrer uma linha do tempo que já foi escrita decifrando suas tramas e regras sociais.
A partir de 1871, os inventários passaram a contar com outros documentos que se tornaram obrigatórios após a Lei número 2.040, denominada Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre, publicada em 28 de setembro de 1871. Esta Lei permitiu a criação de um Fundo de Emancipação, obrigatoriedade da matrícula de todos os escravos e, ao próprio escravo, a formação de um pecúlio, economia que poderia ser acumulada através de doações, heranças e por consentimento do senhor, através de seu trabalho.
Assim, encontramos anexados aqueles documentos as certidões que são as provas do cumprimento daquela legislação. Podem estar na forma de guias, listagens e declarações que permitem conhecer suas características físicas e os dados considerados importantes para identificação dos escravos.
Um exemplo desse tipo de documento está no inventário de Francisca Theresa Guimarães, de 1882. Trata-se de uma certidão de declaração de nascimento de um "Ingênuo", uma menina, nascida em Jundiaí, que recebeu o nome de Julieta, filha da escrava Margarida, solteira, mucama de Antonio Bazilio de Vasconcellos de Barros.
Outros documentos, referentes à Lei do Ventre Livre, são as listagens de matriculas e os Processos de Liberdade. As listagens, encontradas também em inventários, apresentam o número da matrícula do escravo, nome, cor, idade, estado civil, naturalidade, filiação, aptidão para o trabalho e profissão. Como exemplo podemos destacar o inventário de Maximiano Xavier Bueno, de 1884, onde consta de uma destas listas a escrava Maria, matriculada "sob o número 577, preto, 25 anos, solteira, nascida em Cabreúva, filha de Betosino e Izabel, cozinheira e apta ao trabalho".
Os Processos de Liberdade, embora possam ser encontrados antes de 1871, após esta data, tornam-se mais freqüentes na documentação cartorária. Este tipo de documento nos oferece informações sobre o cotidiano do escravo, pois apresenta através de petições e documentos anexados, a condição de seus filhos, maridos e esposas. Apenas como observação, podemos destacar que das 84 petições apresentadas ao Juiz ao primeiro ofício da Comarca de Itu, à Processo de Liberdade, entre os anos de 1872 a 1887, foram alforriadas 2 crianças, 38 homens e 42 mulheres.
Além destas informações, muitos ao escrever nos processos demonstram também o seu posicionamento político. É o caso de uma petição, de 1886, em que se pede a liberdade de um escravo. Nela está escrito que "apesar de quase meio século de cativeiro não pode esquecer-se que livre nasceu lá nessas paragens longínqua onde só o sol é ardente, a liberdade é plena".
Assim, poderemos enumerar muitos outros exemplos de informações que podem ser extraídas dos documentos cartorários para recompor a história da escravidão: dos escravos na sociedade escravista, dos escravos numa sociedade de transição para o trabalho livre e, após a abolição, sua trajetória no processo de cidadania.
Listagem nominativa dos escravos matriculados conforme o artigo 2º do regulamento n. 4.835 de 1º de dezembro de 1871.
Documento encontrado no inventário de D. Francisca Theresa Guimarães, em 1882.
Acervo: Museu Republicano/Museu Paulista/USP.
Declaração de nascimento de filhos de escravos após a Lei do Ventre Livre
Neste caso, refere-se ao nascimento de José, filho de Catharina e Balduino, escravos matriculados de Maximiano Xavier Bueno, paresentados no Inventário do mesmo, em 1884.
Acervo: Museu Republicano/Museu Paulista/USP.