Publicado: Sexta-feira, 22 de maio de 2009
Futebol Pentecostal
Era domingo e o padre marcou a missa do Pentecostes bem na hora do jogo, às 16h. “O Espírito Santo é importante, mas a final do campeonato também é”, pensou o coroinha ao sair de casa. Gostava de ajudar o sacerdote. Ficava sempre sentado ao lado dele nas celebrações e não precisava ficar em pé na igreja lotada.
Fez um trato com o Paráclito. Não faltaria com as suas obrigações litúrgicas, mas também não ficaria sem saber do jogo. Levou no bolso seu MP3, um rádio minúsculo, desses modernos, com fone de ouvido. O aparelho passaria imperceptível para o padre e os fiéis, ficando em seu bolso, por baixo da pequena batina vermelha e branca.
Começou a missa, com o grupo de violeiros tocando o canto de entrada e a assembléia entoando o hino inicial. Olêêêêê, olááááááá! Olêêêêê, olááááááá! Depois do ato penitencial, começaram as leituras bíblicas. Estavam reunidos os apóstolos, em um ambiente fechado, junto com Maria, a mãe de Jesus. Falta na entrada da grande área. De repente, surgiram no céu línguas como de fogo e Jair cobrou com um petardo da perna esquerda. O Espírito Santo desceu sobre eles e gol! Gooooooolllllllllllll!
O sacerdote, interrompendo a leitura com uma expressão entre surpreso e irritado, encarou o coroinha. A assembléia nada entendeu. Por sua vez, o menino fez que não era com ele. Só podia ser mesmo obra do Espírito Santo, permitir um gol durante a narração do Pentecostes. Não poderia ter sido nas leituras do Antigo Testamento?
Depois da proclamação do Evangelho, o padre iniciou o sermão. O Espírito Santo, terceira pessoa da Trindade Santa, vem em nosso auxílio para vencermos os desafios da vida. É a presença constante de Deus na nossa existência. Somente uma coisa pode nos separar dele e sabem o que é? Pêêêêênaaaltiiiii!
O coroinha empolgou-se outra vez. Sem entender bulhufas, o padre agradeceu ao garoto. Com um sorriso amarelo, voltou-se para os fiéis explicando que o coroinha estava certíssimo. Apenas uma penalidade de nossa parte, apenas os nossos pecados, poderiam nos separar do amor de Deus. Ufa!
O padre ainda não estava completamente irritado. Parecia mais confuso que bravo. Não se alterou nem durante a consagração das espécies. Tomai e comei, eis o meu Corpo! Tomai e bebei, eis o meu Sangue! Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo e virá para julgar os vivos e os mortos! Juiz ladrão de uma figa! Esbravejou o coroinha novamente e até as pombas do campanário fizeram pausa espantada para escutar.
O ápice mesmo aconteceu no momento da comunhão. Empolgado com seu time de coração, ficou o menino a segurar a bandejinha ao lado do padre. Os fiéis que se dirigiram ao sacerdote para comungar podiam ouvir o garoto cantando baixinho o hino executado: “agora quem dá a bola é o Santos, o Santos é o grande campeão”.
Ciente de sua missão evangelizadora, da figura de amor e paz que encarnava no altar, o sacerdote controlou-se para não encher o coroinha de beliscões e dizer-lhe os impropérios que intimamente desejava. Pedindo ao Espírito Santo o dom da temperança, aguardou o final da celebração, que logo chegou.
No caminho para a sacristia, o garoto suava em bicas. Não sabia como explicar ao padre as bobagens que acabou fazendo. Pior: além das três mil ave-marias que certamente seria obrigado a rezar de joelhos, poderia ter apreendido o seu pequeno rádio, até que o inferno congelasse.
Então o padre esperou todos saírem da sacristia. Ficando a sós com o garoto, encarou o moleque com aquela expressão brava dos jesuítas espanhóis e perguntou com autoridade: “Meu filho, qual foi o placar do jogo?”.
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