Há 45 anos morria, em Itu, o "Velho Cabideiro"
O que é a história de uma vida? Afinal, o que é a história humana? Quem somos nós, estes eternos viajantes, misto de humano, divino, criança, adulto, construtores deste mundo tão interessante e curioso, tão curioso e emocionante, ao mesmo tempo?
Quem somos nós? Por mais que queiramos respostas, e eu gostaria muito de tê-las, não as encontramos.
Por mais que expliquemos, das mais diversas e elaboradas maneiras, não somos convincentes, e não nos convencemos, lá dentro de nós, não nos convencemos. Assim, somos obrigados a nos conformar com a aceitação, e nos alegrarmos com os resultados. Afinal, temos evoluído, eu acredito muito nisso.
Nossos sentimentos vão ficando mais acurados, talvez porque estamos nos distanciando do primitivo e nos aproximando daquilo que foi, desde o princípio, nosso destino: Tornarmo-nos seres universais, seres compreensivos, seres bondosos.
Sei que o caminho é longo, mas acredito muito neste caminho. E é por acreditar, por acreditar de forma intensa e constante, que sigo em frente. Muitas e muitas vezes desejei desistir, mas sigo em frente, certo de que um dia terei algumas respostas.
E por ter a certeza de que nada é em vão, que lembro-me agora, e aos leitores, com muita saudade, e muito respeito, da morte do “Velho Cabideiro”. Ele me ensinou a acreditar, embora tenhamos tido raros momentos juntos, momentos que estarão comigo pela eternidade.
Francisco Martins Júnior, “O Cabideiro”, herdou esta alcunha por se dedicar à venda de mercadorias porta-a-porta, em várias cidades da região ituana. Uma das principais mercadorias era o cabide, destes que usamos para preservar nossas roupas, e que hoje compramos nos supermercados, ou nas mais diferentes lojas de departamentos, espalhadas pelo Brasil afora.
Já não há mais lugar para um “Cabideiro”, a não ser em meu coração, e no coração daqueles que receberam dele a educação e o hábito de procurar respostas. Na leitura ele procurava suas respostas. De suas leituras herdei meu nome.
Porém, o que gostaria de lembrar aqui, não é a profissão dele, mas o exemplo de bondade, o exemplo de humildade.
Nos anos 50 (1950), não havia muito espaço para profissões diferenciadas, como não havia muito espaço para estudo, para desenvolvimento. Porém o “Cabideiro” trazia um conhecimento de sua juventude, que confesso, não tive a oportunidade de me aprofundar na história, mas sei do resultado na minha vida.
Este conhecimento ele utilizava para auxiliar a todos que o recebiam em suas casas, nas mais diferentes regiões, tanto zona urbana como rural.
Junto com suas mercadorias ele levava a vontade de auxiliar, orientando sobre educação, sobre saúde, insistindo na necessidade de se visitar um médico – As Santas Casas funcionavam naquela época – na necessidade de se ir ao dentista, e, até, de se ter uma religião.
Tinha um enorme respeito por todos os credos, e aceitava convites para ir a todas as igrejas, na tentativa, primeiro, de contentar os amigos e clientes, mas também, na tentativa de compreender, encontrar respostas – Como eu as busco hoje em dia.
Certa feita, em casa de um amigo, soube que havia chegado a Brigadeiro Tobias, pequeno lugarejo onde nasci, uma família inteira, com vários filhos pequenos, e que esta família estava “à mingua”, sem qualquer recurso, e sem ter para onde ir.
Contou-me este amigo, anos após sua morte, que ele lhe solicitou que guardasse suas cestas, com os cabides e outros quetais, por alguns momentos. Saiu de casa em casa solicitando ajuda para aquela família. Retornou depois de várias horas com um largo sorriso no rosto, o sorriso do dever cumprido. O sorriso humano, que reflete o divino.
Este era o “Cabideiro”, este era meu pai, que partiu em um dia 13 de abril, um sábado de aleluia, a uma hora da manhã, deixando este “pequetucho” que vos escreve, absolutamente arrasado, sem rumo, sem explicações, com a responsabilidade de, no raiar de uma nova aurora, avisar amigos e parentes, em Itu e em Brigadeiro Tobias, e passar a participar da manutenção e da segurança da família – Os irmãos mais velhos já haviam partido para outras paragens e não mais podiam estar presentes constantemente, e também não sabiam bem o que dizer para um garoto de 14 ( catorze anos ) à busca de respostas.
Mas o “Velho Cabideiro” havia deixado exemplo da persistência, havia deixado o hábito da leitura e o hábito do trabalho.
Trabalhando no Cine Marrocos nos finais de semana, e como sorveteiro do Quartel de Itu, durante o dia, estudando à noite, parece que o “pequetucho” conseguiu chegar a algum lugar, e tem muito orgulho disso.
Muita coisa ficou para tras, como os finais de semana, por exemplo. Não teve oportunidade de viver no tempo certo, mas tem tentado reconquistar, ou conquistar, não sei... O tempo o dirá.
Pai querido, um beijo terno a você.
Ainda não consegui algumas respostas, e não consigo te esquecer. Ainda sinto muito sua falta, muito mesmo.
Agradeço a você, imensamente, por ter, ao menos, construído o alicerce.
Deus o ilumine, onde quer que esteja.
Te amo profunda e imensamente.