Publicado: Quinta-feira, 15 de novembro de 2007
In lake'ch
Para o Xamanismo, todas as formas de vida trazem dentro de si a mesma fagulha de luz. Uma pessoa, uma árvore, um ser do reino mineral ou animal são simplesmente manifestações de vida. Portanto, são dignos de reconhecimento, respeito e amor.
Quando trilhamos o caminho vermelho, caminho do sangue que pulsa e do coração que bate, vamos aprendendo que a vida se espelha em tudo o que está à nossa volta. Somos um pequeno grão deste todo, mas ao mesmo tempo contemos esse todo dentro de nós. Afinal, nada mais somos do que uma chama do amor, uma fagulha de luz, que se manifesta através de nossa sagrada existência.
Honrar a manifestação da vida em qualquer direção nos coloca em uma trilha onde não há julgamentos. A expressão “In lake’ch” significa “Eu sou um outro você”. Quando sentimos verdadeiramente o poder dessa expressão dentro da nossa alma, afrouxamos nossas opiniões e certezas, e abrimos uma porta nova, que nos permite perguntar ao outro: “Qual é a sua verdade?”.
Vamos entendendo que cada um tem a sua verdade, e que a dor do outro é também a nossa dor. A alegria do outro é também a nossa alegria. Não somos diferentes, somos iguais! Aprendemos a sentir e honrar a verdade de cada ser. Aprendemos com a verdade das árvores, doadoras incondicionais. Aprendemos com a verdade do fogo a sua força transformadora. Aprendemos com a verdade da água a fluidez de nossas emoções. A terra, árida e generosa, nos ensina sobre o acolhimento. As pedras trazem a magia dos tempos antigos, quando o silêncio era maior do que o barulho.
Aprendemos e honramos todas as nossas relações. Honramos nossos ancestrais e as 7 gerações passadas. Honramos nossos descendentes e as 7 gerações futuras. Percebemos-nos dentro de uma grande roda, a Roda da Vida, que passa e deixa a sua marca.
Nesse caminho, o mais difícil é aplicar esses ensinamentos com as pessoas que mais amamos. É nos relacionamentos mais íntimos onde estão as nossas feridas mais profundas. É também, onde mora a possibilidade de transformação. Lentamente, vamos experimentando outros lugares de estar nessas relações, diferentes do lugar da vítima. Vamos aprendendo que somos responsáveis por nossas escolhas, e que não há culpas ou deveres. Há apenas dificuldades, desafios e aprendizados. Vamos aprendendo que aquilo que mais nos incomoda espelha partes de nossa sombra. Cada incômodo pode se tornar um convite para iluminar um obscuro quarto de nossa alma. Vamos aprendendo o poder da expressão “In lake’ch”.
À medida que vamos aprendendo a honrar o nosso próprio espaço e existência, vamos adquirindo leveza para honrar também a existência do outro. Portanto, novamente, não somos vítimas. Somos artistas de nossa vida, sejam quais forem as condições externas.
A expressão “Eu sou um outro você” se aplica a todas as nossas relações, em qualquer momento ou situação. Portanto, quando estamos ancorados nessa morada, não há como julgar. Não existe separação. A semente que vive nos outros seres humanos está profundamente arraigada dentro de nós. O julgamento leva ao aprisionamento, não das pessoas que estão sendo julgadas, mas sim de nós mesmos. Podemos aprender com o que nos machucou, e tentar fazer diferente. Podemos aprender a acolher seus erros e fracassos. Afinal, passaremos adiante o que recebemos, com pequenos ajustes e melhorias, não mais do que isso.
Por outro lado, se aprendemos a celebrar e valorizar os acertos das pessoas que amamos (eles certamente existem!) estamos também honrando tudo de bom que existe dentro de nós. Somos abençoados pela brisa da felicidade e da dignidade. Passamos a espelhar beleza ao nosso redor. E beleza gera beleza.
Nas difíceis provações cotidianas, somos o tempo todos testados e tentados a voltar aos padrões conhecidos e seguros, mas nem por isso saudáveis ou úteis. É um desafio diário encontrar esse lugar que mora atrás da vítima, da culpa e do julgamento. O lugar da escolha e da liberdade. O lugar da espontaneidade. O lugar da compaixão, da conexão e do perdão. O lugar da aceitação incondicional e da paz interior. O lugar do amor.
Temos o poder de escolher pintar um novo quadro e um novo padrão de troca emocional. Honrar todas as relações não significa deixar de sentir, nem passar por cima das dores. Significa ver que o outro é também parte de nós e vice versa. Significa que cada situação que nos desafia é um chamado ao crescimento e ao aprendizado infinito. Quando se trata da nossa vida, o nosso lugar é no palco, não na platéia. Nós é que devemos tecer a teia da nossa existência. Ninguém nos deve nada. E não devemos nada para ninguém. Apenas podemos escolher fazer o nosso melhor, diariamente, a cada novo despertar. Ao cair, levantamos. Ao errar, reconhecemos. Ao julgar, retrocedemos. Ao ferir, refazemos. Podemos sempre refazer, aqui e agora. Afinal, “eu sou um outro você”. In lake’ch!
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