Invisível
Gorda, com um coque impecável no alto da cabeça e óculos sem aros, entrou no ônibus circular e não olhou sequer para o motorista. Com pisadas fortes e bem direcionadas, assim que passava era quase possível ouvir o suspiro aliviado das pessoas sentadas sozinhas em poltronas duplas. Sentou-se, apertada, em poltrona única no meio do coletivo e, olhando em volta, percebeu a censura de todos, então se refugiou na cidade lá fora. Um homem na outra fileira de assentos, alto e bem trajado, levantou-se para descer e passou por ela, olhando-a com desejo explícito. Antes ela já havia notado que era observada por ele através do reflexo nos vidros. Até podia ser desejo, mas tal eram as desilusões até ali que preferira, há tempos, interpretar que eram mal-entendidos, sempre. Ele puxou a cordinha, dando sinal para descer no próximo ponto, e desembarcou olhando para ela. Dali ela pôde vê-lo beijar sem vontade, lá fora, uma loira magérrima e maior que ele. Ele, sem controle, continuou olhando para ela.