Itaú, feito para você que não é deficiente
Sigo minha militância-crônica pelo respeito ao básico direito à acessibilidade.
Aquelas propagandas de banco, com musiquetas suaves, sorrisos largos, bichinhos muito fofos e abraços emocionadíssimos só engana àquele tipo de gente que ainda acredita em papai Noel. Estamos carecas de saber que eles nos esfolam até a alma. Ou melhor, até o último centavo, pois alma não tem liquidez e por isso não lhes interessa. Não vou gastar papel nem tempo para chutar cachorro morto.
Toda vez que vou à agência do Itaú, uma que fica ao lado da igreja da matriz, saio de lá decidido a escrever uma crônica. Depois as miudezas do cotidiano acabam me chamando, me acalmo, tenho que buscar filho na escola, por água no filtro, responder um e-mail e a coisa esfria. Nessa semana foi diferente. Por isso estou aqui.
Não existe acesso sem escada nessa agência do Itaú no largo da matriz. Para quem é portador de necessidades especiais, como eu, que sofro de esclerose múltipla há vinte e três anos e caminho com o auxílio de duas bengalas, isso é sim um caso revoltante.
Até semana passada, tinha um adesivo de cadeirante numa porta de vidro na entrada lateral pela rua Barão de Itaim. Só que a porta ficava trancada. Por isso, o infeliz, no caso eu, que desejasse utilizá-la, deveria ficar batendo no vidro até que alguém, lá dentro, escutasse. Aí colava meu rosto no vidro e ficava berrando que queria entrar. Óbvio. Aí então alguém, lá de dentro, fazia um sinal para eu esperar. Mal sabia que já esperava há mais de cinco minutos, e sob o sol escaldante desta cidade. Aí aquela boa alma ia procurar com quem estavam as chaves. Mais cinco minutos torrando sob o sol. Só então alguém abria a porta e sorria para mim.
- Prontinho, senhor.
Na última vez que tive o desprazer de ir até a tal agência, descobri que tinham retirado o tal adesivo de cadeirante da porta lateral. Acho que resolveram assumir que estão pouco se lixando para essa frescura de acessibilidade.
Então, a duras penas, entrei na agência pelas escadas de degraus larguíssimos. Depois de encerrado meu assunto com minha gerente, disse a ela sobre a falta de acessibilidade da agência. Ela então me respondeu que da próxima vez bastaria eu fazer uma ligação a ela para que abrisse a porta lateral para mim. Simples assim. Ela abriria a porta lateral para eu entrar. Bastaria um telefonema. Quanta gentileza.
Essa gente não entende nada. Não mendigo favores, exijo direitos! A agência tem que oferecer, a mim e a todos os portadores de necessidades especiais, condições para que possamos entrar e sair de lá para que eles nos esfolem com seus juros escorchantes e depois nos apertem a mão com aqueles sorrisos pré-pagos.
Por incrível que pareça, acessibilidade é uma conquista básica ainda não assegurada. E não estou falando de um restaurante de fundo de quintal, estou falando da maior instituição bancária do hemisfério sul.
Quem cuida dessa vergonha? Qual instância do poder público deveria se ocupar disso? Alguém sabe? Eu não sei. Escrevo para aplacar minha ira santa. Pronto. Já estou melhor.