João Narciso do Amaral-maestro,musico e compositor
João Narciso do Amaral: Maestro, Músico e Compositor
Dra. Anicleide Zequini - [email protected]
Artigo publicado em: Zequini, Anicleide. Itu:Presença Ilustres. 1a. edição. Itu,SP:Ottoni Editora. 2013. pp. 83-90.
Em finais do século XIX, a cidade de Itu passava por transformações significativas do ponto de vista político. Com o fim da Monarquia e inicio da Republica, configuraram-se dois grupos politicamente opostos, mas que se identificavam como representativos do movimento republicano local. Estes dois grupos passaram para a História política de Itu como Jagunços e Maragatos.
A presença destes dois grupos políticos se fez notar com mais intensidade no ano de 1898, quando a cidade se preparava para eleger os componentes da nova Câmara Municipal e Juízes de Paz.
Em março de 1898, o diretório político republicano local tinha como liderança o médico e ex Deputado Estadual, Cesário Gabriel de Freitas (PRP, 1892/1894), que se tornou um dos principais líderes do grupo Jagunço e, de outro lado, o convencional e ex-senador por São Paulo, Francisco Emydio da Fonseca Pacheco (PRP, 1892), um dos principais líderes do grupo Maragato.
Nas eleições de 30 de outubro de 1898, observa-se que esta divisão já se apresentava publicamente por meio de anúncios, que faziam a distinção entre os candidatos a vereadores e Juízes de paz das chapas apresentadas pelo Dr. Francisco Emydio, também denominados de “Fonsequistas” e daqueles apresentados pelo Diretório Republicano local (Jagunços).
Nesta eleição, os candidatos de Francisco Emydio da Fonseca, obtiveram a maioria dos votos, fato que levou o seu filho, Godofredo da Fonseca a se destacar como o mais votado para o cargo de vereador. Ficando desta forma, oficializada a divisão política da cidade.
No ano seguinte, 1899, a criação de um novo diretório já se fazia notar, mas ainda permanecia o diretório republicano local, com os mesmos componentes do passado, tendo como Presidente Cesário Gabriel de Freitas, e os membros: Major Joaquim Victorio de Toledo, João de Almeida Prado Júnior, José Galvão de Almeida e José Elias Correa Pacheco. Segundo notícias do Jornal A Cidade de Itu, em tom de crítica, pois era um aliado de Cesário Gabriel de Freitas, informava que um novo diretório, sem o consentimento da organização central do partido republicano, estava se formando na cidade e isso, se dava nas “post salas da Casa do Dr. Fonseca”, situada na Rua Direita, atual Rua Paula Souza.
Esta divisão, não ficou restrita apenas aos resultados eleitorais, mas ganhou as Ruas, proporcionando ao longo do tempo, também uma divisão social e cultural entre os moradores da cidade, marcadas pela disputa política pelo poder local. Vários episódios ocorridos em finais do século XIX como um em 1898 e outros em 1900, são exemplares daquela disputa.
Apenas como nota, a denominação Jagunço ficou bastante popularizada em finais do século XIX, notadamente, pela Guerra de Canudos. Em Itu, a utilização deste termo por um agrupamento político, pode ser pensada sob a conotação de uma “resistência”, cuja essência merece uma pesquisa mais detalhada. O que sabe é que mesmo perdendo as eleições de 1898, este agrupamento político permaneceu por muitas outras décadas, na disputa pelo poder local.
É neste final do século XIX que surge às respectivas denominações e se organiza as Bandas de Musica. Em 1898, o grupo Jagunço já estava constituído e a Banda de Musica 30 de Outubro também. Esta hipótese é reforçada a partir da denominação que foi dada à Banda, uma associação direta as eleições ocorridas em 30 de outubro de 1898, que de fato marcou a divisão partidária na cidade.
Neste contexto, que se dá a formação da Banda 13 de março de João Narciso do Amaral, formada pelo grupo dos “Fonsequistas”, agora denominados de Maragatos. Provavelmente formada alguns anos antes. (cf. Cadernos de Musica, 2012, p. 22).
Em 1898 a cidade já contava com o Largo da Matriz urbanizado com flores, árvores e um coreto, onde as bandas passaram a se apresentar. O Largo também recebeu nova denominação: Praça Paula Souza.
João Narciso do Amaral, antes de se mudar para Itu foi, segundo notícias do Jornal Republica de 10 de dezembro de 1905, regente de banda de musica e professor de piano na cidade de Santos
Em 1876, Narciso do Amaral, provavelmente, já era morador ou então freuentador de atividades da cidade de Itu, pois participou em 9 de julho daquele ano, da inauguração de um Clube na cidade de Bethlem do Jundiaí (Jundiaí) em companhia do maestro ituano Elias Álvares Lobo, que havia se mudado para aquela cidade. Na ocasião, apresentou a obra “Phantasia de Azarias” para Ophicelide, instrumento do qual era exímio tocador. Em 1890, era conhecido como “popular orphicleidista”, instrumento de sopro, da família dos metais que foi muito utilizado na segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20.
Além disso, constava da listagem de eleitores de 1878, tendo “22 anos, casado, alfaiate, de filiação ignorada, morador da cidade e sabendo ler e escrever” (Cadernos de Musica/ Museu da Música Itu, 2012, p. 21).
Pertenceu a Irmandade de São Benedito, foi organista da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis e Regente da Banda de Musica dos Artistas (já existente em 1890). Em 1880, com a reestruturação da Banda Musical Saltense, pelo industrial Francisco Fernando de Barros Júnior, foi contratado como Regente e, em 1899, aparece como maestro da Filarmônica de Salto, que naquela ocasião estava estudando o Hino Campos Salles. (Jornal Correio Paulistano 18.12.1899).
Tudo indica que João Narciso, foi um professor e um músico itinerante e que freqüentava várias localidades da região, organizando Bandas de Música ou mesmo ensinado a tocar instrumentos. Isto se faz sentir pelas notícias veiculadas pelo Jornal O Estado de São Paulo como a de 18 de dezembro de 1898, que afirmava: “ O professor de musica Sr. João Narciso do Amaral não se mudou para cá como por engano se noticiou, mas vem auxiliar a Banda Musical Saltense, todas as semanas, sendo portanto, o mestre dela”.
Assim também se procedeu com a Banda de Musica Sociedade Recreativa dos Operários de Mayrink e com a Banda Corporação Musical da Floresta ou Eco da Floresta, possivelmente pertencente a Fazenda Floresta, de propriedade de Francisco Emygdio da Fonseca.
Em 14 de janeiro de 1900, durante um dos conflitos políticos que se sucederam durante os primeiros anos do período republicano em Itu, os músicos da Banda 13 de março e seu Maestro Narciso do Amaral, foram vitimas de tiros de carabina, disparados pelo grupo opositor, que estavam posicionados em uma farmácia existente na esquina da Praça Paula Souza. O grupo alvejado era composto não apenas pelos músicos, mas também pela população que acompanhavam a saída da Banda da Praça da Matriz.
Neste episódio, faleceram Domingos Polletti, 50 anos, italiano que era empregado de padeiro na Rua da Quitanda, e os músicos Luiz Gonsaga Cypino, negro, 23 anos e Antonio Dias de Barros, 24 anos, além de 20 feridos, entre eles o Maestro João Narciso, que em decorrência dos ferimentos, acabou perdendo um de seus braços.
Neste ano, João Narciso, residia na Rua Santa Rita, no. 79, possivelmente no mesmo local onde estava instada a casa de ensaios da Banda. Foi qualificado no exame de corpo de delito, do processo que se seguiu ao Inquérito Policial: “preto e brasileiro”, tendo recebido na ocasião dos tiroteios, “um ferimento por arma de fogo na parte média do braço direito, cujo ferimento tem o orifício de entrada de projétil na parte exterior e o orifício da saída na parte posterior tendo um trajeto de diante pata traz”. O episódio com o título “Acontecimentos de Ytú”, foi amplamente divulgado através do Jornal O Estado de São Paulo.
Em 7 de dezembro de 1905, falecia na cidade de Itu o músico e maestro João Narciso do Amaral com 49 anos de idade,. Em seu inventário, datado deste mesmo ano, consta que era casado com Marcolina do Amaral e não tinha filhos. Dos bens, apenas estava arrolado: “uma pequena casa, ainda por acabar” localizada próxima ao hospital dos Lázaros, atual bairro Padre Bento. (Inventário/ 2º.of cx 78, 1908).
Em 1905, após o falecimento deste Maestro, a “Banda 13 de Março”, passou a ser denominada, por vontade de seus integrantes, de Banda de Musica ‘João Narciso”, tendo como regente Ezechias Nardy. (Jornal Republica, 1905). Em 1908, os integrantes desta Banda formaram um sexteto para bailes e, a partir de 1912 esta Banda particularmente desaparece do cenário urbano. Uma das possibilidades é que seus integrantes passaram a compor outras Bandas de Musica, como a recém formada Corporação Musical União dos Artistas, em 1912.
Em 1908, foi organizada uma Comissão formada por Affonso Borges, jornalista e escritor do Jornal A República, Lupercio Borges e Juvenal Amaral para arrecadação de fundos para a construção de um Mausoléu no Cemitério Municipal de Itu e inaugurado em 10 de maio de 1908. A importância necessária para aquela construção foi obtida por meio de doações feitas pelos músicos das Bandas de Mayrink, da Floresta (Echo da Floresta) e Grêmio Recreio Saltense, que tinha como regente Henrique Castellari, um antigo aluno de Narciso do Amaral; da população e do grupo dramático saltense, “Amor a Arte” que promoveu, em 1908, um espetáculo em prol daquela construção.
A construção, segundo descrições: “representa uma coluna partida, feita de pedra granito do Salto, sobre uma base de mármore. É um trabalho sem o luxo, mas de bastante arte, muito bem acabado e de grande duração. Foi ele feito nas acreditadas oficinas de cantaria e mármore do Sr. Pilado Bonetti” (jornal Republica. 10.05.1908.p.1).
A inauguração deste mausoléu contou com a presença de toda a população, num momento em que os grupos políticos da cidade haviam, em 1904, decretado um momento de “congraçamento político”. (Nardy Filho, vol. 4, 2000, p. 156). Assim se procedeu a inauguração:
“As 4 horas da tarde formou-se no largo da Matriz um imponente préstito , levando dois belíssimos andores, carregando o primeiro com o retrato de João Narciso e uma lindíssima e artística coroa de flores naturais de um metro de altura feita pelo jardineiro municipal Sr. Emilio Fávero. O trabalho foi muito apreciado.
O andor que levava e retrato, representava uma artística Lyra, feita de flores naturais e circundada de ramalhetes,
Os dois andores que produziram magnífico efeito foram gentilmente preparados pelo hábil armador ar. Joaquim Leitão, dedicado amigo do morto.
À frente do préstito iam alunos uniformizados, e conduzindo a bandeira nacional. Em seguida via-se 1º. A Banda Italiana, 2º. Andor com retrato do maestro, carregado pelas gentis meninas Adélia d’Onofrio, Anna Penteado de Oliveira, Célia de Almeida campos, Josephina Bonetti, Luiz de Almeida e Maria de Lourdes do Amaral. 3ª. Banda de Musica “Grêmio Saltense”, 4º. Andor com coroas carregado por alguns distintos cavalheiros. 5ª. Comissões diversas e autoridades, 6ª. Banda de Musica 30 de Outubro, 7ª. Banda de Música “João Narciso” (Jornal Republica. 14.05.1908.p. 1).
Durante sua trajetória musical, dedicou-se a música sacra e popular, tornando-se importante compositor. Entre elas as Valsas: Mariquinha, Recordações da Pedra Azul, Laguna, Guaia, 18 de junho, 1º. de maio (1895), esta última estava a venda no comércio de Eugenio Hollender, em 1895 e Dobrados: 10 de julho, Rapizado e 9 de janeiro. Sua última composição, em 1905, foi a valsa denominada “Victória”, dedicada a Victoria Alves, filha do Major José Maria Alves. (Jornal Republica 10/12/1905). Em 1895, “ofereceu às escolas Reunidas vinte exemplares da polka de sua composição “Se eu pudesse, minha comadre” (A Cidade de Ytu, 20.1.1895). Destaque para as quatro Marchas do Senhor dos Passos, para procissão de Passos, obras festejadas pela imprensa local, cujas partituras estão preservadas na Corporação Musical União dos Artistas”. (Caderno de Música/ Museu da Musica Itu. 2012, p. 22).
Suas obras ainda foram amplamente executadas após o seu falecimento, em 1905. Como exemplo, em 1910, durante a Procissão dos Passos, o Maestro Tristão Júnior, juntamente com a Banda “João Narciso” executou a “belíssima coleção de marchas do Senhor dos Passos”. (Jornal Correio Paulistano. 19.03.1910. p. 3).