Publicado: Quarta-feira, 11 de abril de 2007
Judas em Frangalhos: o estouro dos miolos!
É interessante observar a reação das pessoas. Algumas permanecem paradas, indiferentes, e causam a impressão do silêncio interior, desaprovação no rosto. Outros aplaudem, sorridentes, e seus olhos são brilhantes pelo que vêem e parecem não acreditar. Muitos gritam, recuam, e não param em seus lugares. São os tipos mais comuns, irrequietos, perna recuada como se estivessem prontos para correr; neles, as mãos sempre ocupadas, nos cabelos, palma com palma, esfregando o rosto, não importa onde. As reações são múltiplas, diferentes, pois o acontecimento é mesmo inusitado, surpreendente.
Aos doze badalos do grande sino da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, as árvores já não eram as mesmas observando também apreensivas o destino dos bonecos. A batucada implicante da Escola de Samba Vale do Sol, e a sirene das viaturas da Guarda Municipal deram início a uma tradição de 130 anos. Seu Zico Gandra, sentado ali próximo, dentro do Coreto da Praça Padre Miguel, nem se mexeu quando a primeira bomba deu o tom da festa. Afinal, há poucos anos atrás era ele próprio quem confeccionava todas elas, e acendia, a sangue frio, o pavil incinerador. Portanto, nada mais justo reservar a ele o direito ao melhor assento reservado.
Perto, ou longe, da aparente fragilidade da rede de proteção cor de abóbora, as pernas de moradores, e turistas, tremeram mais uma vez a cada bomba molhada que insistia em explodir. Os pássaros, pobres pássaros, de susto morreram os pobrezinhos, ou nunca mais voltarão às suas árvores. Tudo tremia, dos meus pulmões ofegantes, até os alicerces de cada uma das casas de taipa da Rua Direita. Uma surpresa, afinal, minutos antes a chuva era toda prosa, dona do momento, e imponente caiu por mais de meia hora. O céu era preto, quase tão preocupado quanto os semblantes de Milton Veronessi, e seus ajudantes, afinal, a festa tem dia, Domingo de Páscoa, e hora, exatamente ao meio dia, para começar. Os bonecos encharcados, e o povo impaciente.
De todas as tradições ituanas, legítimas desse povo, é a que mais gosto. O Estouro do Judas, o traidor, que acabou cedendo às tentações do Diabo. É incrível ver todo o povo ali reunido após a missa das dez, e impaciente pelos badalos dos sinos, sinal que inicia a festa. Antes do estouro principal, é aquela seqüência de bombas que introduzem nosso sangue à adrenalina. Elas estouram de lá, e nossas pernas tremem daqui. Nesse ritmo vão explodindo, e como num fuzilamento, a tensão aumenta gradativamente. As bombas de assovio, são as mais características, e precedem o estrondo das bombas maiores. Há um ritual, uma seqüência da qual os turistas nem imaginam, mas com a chuva forte que há pouco caíra sob a cabeça dos bonecos, o desafio este ano era realmente grande.
Enquanto estouravam, solenemente, as primeiras bombas, foguetes avermelhados, possantes, e intrigantes, insistiam em se atirar na direção das pessoas. Estas, por sua vez, abaixavam-se, corriam, armavam seus guarda-chuvas, em um espetáculo sinistro que a chuva proporcionou deixando as bombas encharcadas de água, e as pessoas de suor. Teimosos, como eu, tentaram até o terceiro foguete assistir ali, da rede cor de abóbora. Depois, o medo da quarta, e última bomba, encarregou-se de arrastar todos um pouquinho mais para trás: para o outro lado da rua.
Alguns estouros depois, a fumaça tomou conta. Como uma cortina, por alguns instantes decisivos, não se via nada, nem um palmo diante do nariz: a frustração era geral. Nem o povo, nem seu Zico Gandra, nem mesmo o Secretário de Turismo, Carlinhos Boarini, conseguiam decifrar o que era fumaça de bomba, o que era fumaça de papel picado. Nem mesmo o sineiro da Igreja da Candelária, as lentes de Sarah Vasconcellos – e veja a gravidade – nem as lentes da poderosa Rede Globo, foram capazes de prever a hora em que o Judas ia, surpreendentemente, estourar sem protocolo. Pois bem, o Judas estourou antes do tempo, e nem chance deu para o capeta e seu tridente. Nada. A tradição foi quebrada, os rojões lá de cima do mastro não estouraram, os bonecos não foram para frente, e, finalmente, o Diabo não montou nas costas de Judas espetando o seu garfinho. E assim, aquele momento mágico, três segundos, quando os dois, ali dependurados, entreolham os dois lados da multidão torcendo, não aconteceu.
Assim, com olhar indiferente, o Diabo ficou lá, do mesmo jeito que começou. Assistiu dependurado toda a festa, e não explodiu. Quando a fumaça se desfez lá estava ele, sem muita trela, cínico, como se não fosse com ele a conversa. Milton logo sacou de sua vara, ateou fogo na tocha, e começou a cutucar o “coisa ruim”. Uma cena, que nem nos ombros de meu pai, quando o estouro ainda era feito em frente à igreja, eu havia presenciado. Como um verdadeiro carrasco medieval, o fogueteiro, literalmente, tentava tacar fogo no rabo do Satanás, e a cada cutucada mais forte arrancava gargalhadas do público. Por fim, sob a batucada do Bloco do R, e os sinos da Matriz aos berros, o estouro se consuma levando todos ao delírio de suas palmas, e o Diabo de volta para o inferno.
Por mais uma vez a tradição, mesmo que torta, foi mantida. Por 130 anos as pessoas da velha Itu se juntam para estourar o traidor. Moradores e turistas, crianças, adultos, e os representantes da feliz idade, todos não se incomodam de iniciar seu almoço de Páscoa um pouco mais tarde. No Diabo e Judas, estão representadas muitas figuras, de irresponsabilidade, crueldade, incompetência, e corrupção, onde os traidores são engravatados, e poderiam por certo, também estar ali participando de cima como, usualmente, gostam mas, desta vez, dependurados. Quem quer se candidatar?!
Em tempo: Que inveja de Guilherme Pelayo, pela vigésima vez é ele quem recupera o saquinho com as moedas de ouro de Judas. Na crendice popular, quem consegue o feito tem boa sorte garantida.
Por mais uma vez a tradição, mesmo que torta, foi mantida. Por 130 anos as pessoas da velha Itu se juntam para estourar o traidor. Moradores e turistas, crianças, adultos, e os representantes da feliz idade, todos não se incomodam de iniciar seu almoço de Páscoa um pouco mais tarde. No Diabo e Judas, estão representadas muitas figuras, de irresponsabilidade, crueldade, incompetência, e corrupção, onde os traidores são engravatados, e poderiam por certo, também estar ali participando de cima como, usualmente, gostam mas, desta vez, dependurados. Quem quer se candidatar?!
Em tempo: Que inveja de Guilherme Pelayo, pela vigésima vez é ele quem recupera o saquinho com as moedas de ouro de Judas. Na crendice popular, quem consegue o feito tem boa sorte garantida.
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