Publicado: Sexta-feira, 8 de maio de 2009
La Dolce Vitta
Desde que passara a trabalhar naquele shopping, almoçava por ali mesmo. Sempre sozinho. Não tinha muita conversa com os companheiros do trabalho, além de assuntos do próprio trabalho. E na hora do almoço não gostava de falar sobre isso, queria ficar sossegado.
Pegava sua refeição no restaurante por quilo e procurava por uma mesa vaga na grande praça de alimentação. Não se incomodava com o burburinho das milhares de pessoas que por ali circulavam em questão de minutos. Era um mosaico de tipos e rostos, de roupas e situações.
Incorporou de bom grado a nova rotina. Pegava, pagava, sentava, comia, observava, pensava, mastigava, refletia, olhava, sorria, arrotava, espreguiçava, palitava e se erguia. Foi então que, de tanto acostumar-se com aquele ambiente, começou a reparar em algo despercebido até o momento.
Ao lado do restaurante havia uma loja de doces. Sim, uma doceria. Bolos e tortas, quindins e quitutes dos mais variados. Não fez tal observação por causa dos doces. Ele já tinha reparado na loja em si. Só não percebera quem trabalhava nela. Era uma fada habitando o reino das guloseimas.
Os cabelos, amarelinhos, lembravam fios-de-ovos. Os olhos esverdeados pareciam gelatina de limão. A pele branquinha não era tão alva quanto glacê, porém parecia mais macia que côco ralado. Os lábios rosados teriam sabor de cereja? Teria seu perfume o aroma da canela?
Nunca gostou de doces, a não ser na infância. Era adepto da alimentação balanceada. Sequer bebia álcool ou tinha vícios alimentares. Nas festas de aniversário, recusava-se a comer bolo. Não era atraído por brigadeiros ou beijinhos. Mas, em relação aos beijinhos, começava a mudar de idéia diante de sua nova musa.
Foi em um desses dias, tão dia quanto os outros dias, que ele resolveu encarar a sobremesa. Terminou a refeição e, em vez de ficar distraído em seu lugar, seguiu rumo à doceria. Ela o atendeu, muito simpática. Ele confessou não entender de doces e explicou estar repentinamente com vontade deles. Não teve coragem de dizer que também tinha vontade dela.
A moça sugeriu um belo pedaço de romeu-e-julieta. “Não é doce demais”, explicou. “E, além disso, a combinação é perfeita”. É claro que ele aceitou. Pagou, despediu-se e, antes de voltar à sua mesa, perguntou qual era o nome dela. “Sou Julieta, mas pode me chamar de Ju”.
As idas à doceria repetiram-se nos dias seguintes. Acabara por incorporar ao cardápio o hábito da sobremesa. Diariamente tinha uma ligeira conversa com Julieta, conhecendo-a um pouco a cada dia. Depois de algumas semanas, já enjoado de sua timidez, mas não dos doces, finalmente tomou coragem de convidá-la para sair. Já sabia que a moça não tinha namorado e achava aquilo um desperdício igual a uma torta de chocolate na frente de diabéticos.
Para sua alegria, Julieta aceitou. Marcaram para o final de semana, pois domingo era a folga dela. Foram a um barzinho e conversaram descontraidamente, não sem perceberem os olhares trocados meio de relance entre ambos. E, assim como o leite condensado encontra o cacau para tornarem-se um brigadeiro, os dois olhos se encontraram, os dois lábios se tocaram, os dois corações se uniram mais docemente do que se possa imaginar.
Não se largaram mais. Julieta continua na doceria, onde pretende ficar até a conclusão do curso de Gastronomia e inaugurar seu próprio estabelecimento. E ele continua freqüentando diariamente a loja de doces, tanto pela sobremesa quanto por sua amada. Suspirando apaixonadamente entre um pudim e outro, ele reflete feliz: “A vida não poderia ser mesmo mais doce!”.
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