Publicado: Quarta-feira, 13 de maio de 2009
Lembranças
Éramos recém chegados da Europa, havia sido uma longa viagem. Para ser mais preciso, foram oito anos incríveis, tentando descobrir coisas novas, tentando encontrar um mundo novo, no qual sempre acreditei, tanto para mim como para eles, Evandro, André e Renato, meus filhos, força motora para tudo que faço, desde que me reconheço como pai.
O Evandro, filho mais velho, estava para completar 15 anos. Como todo jovem nessa idade, estava inseguro sobre o que fazer. Escola, garotas, novos amigos, nova fase para a família.
Estes assuntos, e muitos outros, com toda certeza giravam em sua cabeça, misto de criança, jovem e adulto.
A escolha da cidade para morarmos recaiu sobre Sorocaba, não só por que era, e o é, uma cidade em franco desenvolvimento cultural e tecnológico, mas por outras tantas razões, tanto afetivas como familiares.
A Escola de Inglês, ideia de um final de semana, era uma realidade.
Foi a melhor opção, após análise das possibilidades que me conservassem perto deles o maior tempo possível. Sabia que a separação seria inevitável, dada a educação global que, propositalmente, receberam. Haviam se tornado, de fato e de direito, “filhos do mundo”, nada mais podia ser feito.
Os alunos chegavam e chegavam. O projeto da Escola era realmente bom, tinha tudo para dar certo. A Metodologia dos Sons, que havia nascido na Inglaterra, provava ser algo realmente importante no processo ensino/aprendizagem. Os alunos realmente mostravam desenvolvimento e autoconfiança a cada aula.
Um professor, ao telefone, nos perguntava sobra a possibilidade de aulas para um grupo em Tapiraí.
- Claro, perfeitamente possível! (eu não sabia direito onde era Tapiraí!).
Havia um pequeno problema, o grupo era dividido em “Advanced” e “Pre-intermediate”. Eu precisaria, então, da ajuda do Evandro, que já estava em sala de aula, fazendo conversação com executivos e outros profissionais liberais.
Ele concordou de bate pronto e lá fomos nós para Tapirai!
A alegria tomava conta de nosso coração nas segundas-feiras, mais que nos outros dias. Nos compreendíamos perfeitamente. Além da simpatia e a grande amizade do grupo, havia o caminho.
O caminho entre Sorocaba e Tapiraí, ao entardecer, é um misto de Paraíso e cântico angelical. A pequena estrada vai serpenteando entre as montanhas e revelando, a cada curva, uma paisagem mais bela que a outra. E nós registrávamos toda aquela beleza que, aos poucos, a cada segunda-feira, ia se tornando parte de nosso próprio ser.
O Evandro se encantava com uma pequena igrejinha, lá no topo de um morro. Ela aparecia logo após uma curva, como se os céus abrissem um véu para que pudéssemos apreciar aquela imagem.
Não raras vezes, o Sol do entardecer refletia sobre aquele morro, e sobre o vale abaixo. Era um presente a mim e à dedicação de um jovem filho, apoiando o pai nas estradas da vida.
- E como conversávamos!
Não me lembro sobre o que, nem sobre quem, só sei que tagarelávamos de Sorocaba a Tapiraí. De uma coisa eu me lembro bem: a beleza do caminho era um assunto sempre presente. Na volta, com um pouco de sorte, tínhamos a lua e as estrelas a nos acompanhar. Meu companheiro de viagem adormecia.
Eu, com a alma repleta de felicidade, com uma alegria que não cabia em mim, e agradecido pela oportunidade de estar ali, olhava aquela criança, linda, ao meu lado, ora esticada no banco, no calor; ora encolhida, nas noites frias.
Eu olhava e agradecia a Deus pela oportunidade de participar da continuidade de sua obra. Pedia a Ele que não deixasse de olhar por aquele pequeno ser e o guiasse pelas mãos, até que se completasse sua formação, e que o conservasse sempre humilde e bondoso.
Eu tinha plena consciência de que aquela igrejinha, no alto do morro, seria um farol interior para aquele “pequetucho” tão querido, indicando sempre o caminho para o porto seguro.
Em um momento em que o Mundo questiona tanto os valores, se debate tanto entre as avenidas e as grandes obras arquitetônicas, talvez seja importante essa observação, de que todos os valores universais podem estar contidos em uma pequena estrada, com a visão de uma igrejinha iluminada pelo sol do entardecer, no topo d’uma montanha.
O Evandro, hoje distante, dirige seu próprio carro, e sua vida, pelos mais diferentes caminhos do planeta, mas a lembrança daqueles dias estão, e estarão, sempre presentes em meus dias, continuarão enchendo minh’alma de alegria, continuarão a me mostrar que depois de uma curva fechada sempre haverá, invariavelmente, uma reta iluminada, nos conduzindo ao horizonte, ao arco-íris, ao nosso pote dourado, repleto de humanidade.
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