Lembranças
Éramos recém chegados da Europa.
Havia sido uma longa viagem, oito anos, para ser mais preciso, tentando descobrir coisas novas, um mundo novo, para mim e para eles.
O Evandro, o filho mais velho(há ainda o André e o Renato) estava para completar 15 anos. Como todo jovem nessa idade, estava inseguro sobre o que fazer. Escola, garotas, novos amigos, nova fase para a família, assuntos como este e muitos outros deviam girar em sua cabeça, misto de criança, jovem, e adulto.
A Escola de Inglês, idéia de um final de semana, após análise das possibilidades que me conservassem perto deles o mais possível, já que a separação seria inevitável, dada a educação global que, propositalmente, haviam tido, era uma realidade.
Os alunos chegavam e chegavam. O projeto realmente era bom, tinha tudo para dar certo.
Um professor, ao telefone, nos perguntava sobra a possibilidade de aulas para um grupo em Tapirai.
Claro, perfeitamente possível! (não sabia direito onde era Tapirai!).
Só que o grupo era dividido em “Advanced” e “Pre-intermediate”. Precisava da ajuda do Evandro, que já estava em sala de aula, fazendo conversação com executivos e outros alunos.
Lá fomos nós, Tapirai.
A alegria tomava conta de nosso coração nas segundas-feiras, mais que nos outros dias.Nos compreendíamos perfeitamente.
Além da simpatia e a grande amizade do grupo, havia o caminho. O caminho entre Sorocaba e Tapirai, ao entardecer, é um misto de Paraíso e cântico angelical.
A pequena estrada vai serpenteando entre as montanhas e revelando, a cada curva, uma paisagem mais bela que a outra. E nós registrávamos toda aquela beleza que, aos poucos, a cada segunda-feira, ia se tornando parte de nosso próprio ser.
O Evandro se encantava com uma pequena igrejinha, lá no topo de um morro. Ela aparecia logo após uma curva, como se os céus abrissem um véu para que pudéssemos apreciar aquela imagem.
Não raras vezes, o Sol do entardecer refletia, sobre aquele morro e sobre o vale abaixo. Era um presente a mim e à dedicação de um jovem filho, apoiando o pai nas estradas da vida.
E como conversávamos!
Não me lembro sobre o que, nem sobre quem, só sei que tagarelávamos de Sorocaba a Tapirai. De uma coisa eu me lembro bem: a beleza do caminho era um assunto sempre presente.
Na volta, com um pouco de sorte, tínhamos a lua e as estrelas a nos acompanhar.
Meu companheiro de viagem adormecia.
Eu olhava para aquela criança, linda, ao meu lado, ora esticada no banco, no calor; ora encolhida, nas noites frias. Olhava e agradecia a Deus por ter me dado esta oportunidade de participar da continuidade de sua obra. Pedia a Ele que não deixasse de olhar por aquele pequeno ser e o guiasse pelas mãos até que se completasse sua formação.
Eu tinha plena consciência de que aquela pequena igrejinha, no alto do morro, seria um farol interior para aquele pequetucho tão querido, indicando sempre o caminho para o porto seguro.
Em um momento em que o Mundo questiona tanto os valores, se debate tanto entre as avenidas e as grandes obras arquitetônicas, talvez seja importante essa observação, de que todos os valores universais podem estar contidos em uma pequena estrada, com a visão de uma igrejinha iluminada pelo Sol do entardecer, no topo d’uma montanha.O Evandro, hoje distante (atualmente no Equador) dirige seu próprio carro, e sua vida, pelos mais diferentes caminhos do Planeta, mas a lembrança daqueles dias estão presentes em meus dias, como se fossem presentes, e continuarão enchendo minh’alma de alegria, continuarão a me mostrar que depois de uma curva fechada sempre haverá, invariavelmente, uma reta iluminada, nos conduzindo ao horizonte, ao arco-íris, ao nosso pote dourado.