Lhaneza no trato
A conversa desta semana corresponderia àquilo que popularmente se classifica como “chover no molhado”. Numa paráfrase do irrequieto Nelson Rodrigues, “o óbvio ululante”.
Mas há que se volver ao assunto, por repetitivo que seja. Até porque, na mesma proporção, anda algo esquecido.
A vantagem barata de ser cortês.
E ter-se o capricho de ousar um pouco mais, pela generosidade de proporcionar bem estar ao semelhante. Sem afetação e com toda naturalidade.
Talvez, como se prenunciou no topo, antecipe-se uma apreciação de que ser assim nada mais seja do que obrigação de todos.
Pois é. Anda, no entanto, a faltar um pouco dessa forma de generosidade tão simples e tão à mão de qualquer pessoa.
Conviria trazer um lembrete de que até os gestos comuns, podem ser emoldurados de um carinho a mais, sem se chegar ao despropósito da extravagância.
Tal possibilidade, a bem ver, ocorre mais vezes do que se suponha.
Detalhes, aqui e ali.
Quer recorrência mais encontradiça, do que se estar do lado de fora do balcão e a caixa a somar os produtos. Trocam-se ali as palavras de sempre. Cabe entanto realçar, sem ser ridículo e por meio de pura espontaneidade, até um “muito obrigado” que saia de dentro, ao invés de dizê-lo quase imperceptível. Um sorriso seu enfeitará o fato.
Eis a hipótese do freguês, sentado a uma mesa de café ou bar e aí surgir alguém para limpar a mesa ou varrer o chão ao redor. Sua simples iniciativa de recuar uma cadeira para facilitar e, acima de tudo, dirigir um cumprimento a quem presta o serviço. Enobrece um e outro.
O entregador de pizza e o que mais seja. Certamente que no mais das vezes existe a espera de uma gorjeta, algo consagrado que nem benemerência se entende por ela. Tudo bem. Porém, a circunstância ganha conotação e relevo se houver a delicadeza de não se fechar a porta antes de o serviçal ligar sua moto e sair. Esse pormenor é de tanta significação de que os entregadores, não raro, ao verem que são esperados, se surpreendem e dizem eles mesmos, humildemente, que o cliente pode entrar.
Gentilezas no trânsito, ah como fazem falta. Deixe os pedestres passarem. Apressado embora, nunca use a buzina contra o viajante da frente. Sinalize para a direita e para a esquerda. Não ultrapasse pela direita. Respire fundo antes de se irritar. Não exceda na velocidade.
O atendimento preferencial aos idosos e deficientes veio em boa hora. No subir e descer escadas, ceda-lhes o corrimão.
Fruto de repetidas observações e até vivência dos fatos, percebe-se na pessoa do nordestino simples, após os primeiros contatos mais de perto, uma hospitalidade espontânea e sincera. Fazem-se amigos e disponíveis.
Quem sabe certa desatenção para com a prática da civilidade gere, por contradição, um como que receio de mostrar-se o cidadão mais humano. Temeria um mal entendido e daí supostamente vir a ser considerado presa fácil de delinquentes disfarçados. Nesse ponto, até se entenderia o recuo das boas relações interpessoais, uma vez que todos hoje desconfiam de todos. A ser verdade, sobram de resto unicamente as mostras de apreço quase que limitadas ao laço familiar.