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Publicado: Quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ludovico e Alex

Fora de dúvida que a passarela principal da cidade se constitua mesmo pelas três quadras da Floriano, dia todo, com acréscimo pronunciado de caminhantes em dias de pagamento: do largo do Carmo até o Becão.

Já o trecho seguinte, que alcança o Largo do Bom Jesus, é mais calmo.

Para localização desses pontos, usam-se aqui de propósito os nomes comuns e mais em voga no dia a dia.

Largo do Grupo (Convenção), do Patrocínio, da Matriz e assim por diante. Ganha-se em prática e objetividade, tanto mais pelo linguajar livre que caracteriza as crônicas, uma modalidade solta de se expressar.

Pois foi exatamente em frente ao Banco do Brasil, quase na esquina da Sete de Setembro portanto, que o Ludovico, que já ia fazer um saque, quedou-se na porta. Avistara que se aproximava o Dório, amigo de infância.  Ludovico nunca soube com certeza se esse dileto companheiro tinha por nome completo, Alexandre ou Alex Dório. Era assim conhecido, nas duas formas, por muita gente.

Nesse começo de tarde – o almoço já se fora – pararam para aquele bate papo tão a gosto, como os antigos ainda conseguem promover. Toda pressa desaparece quando sessentões e os além se encontram.

Notório, naquela hora, o semblante fechado do Dório, (com a rima e tudo que a frase consigna), a provocar a mais sensata e corriqueira pergunta, espontânea diga-se:

- Que aconteceu Dório?

Pequeno momento, de silêncio total, aquele de quando se vai revelar algo de incomum.

- Poís é, Ludo – este o apelido do primeiro.

Outros segundos silentes.

- Veja se pode.

Daí para a frente o Dório proferiu a mais profunda das indignações de sua vida e de todas as pessoas. Até enrubesceu.

Ludo, então, afastou-se um pouco, elegantemente.

Daí para a frente, o Dório derramou toda sua irritação pelo que não concebia de que  modernamente os negócios se fecham por telefone, os rostos não são vistos, até porque em geral as tratativas são previamente gravadas, quanto às perguntas. O bobo, dizia o Dório, fica do lado de cá e se limita a apertar teclas do telefone. Tudo tão rapidamente que quase não se consegue cumprir os mandados eletrônicos da gravação.

- Veja, Ludo, se não é para mandar para os quintos dos infernos esse pouco caso de que ninguém fala com ninguém.

Tinha o Dório há cerca de seis meses aderido a um contrato com uma dessas empresas de televisão fechada. Ele não assinou o sistema pelo total. Muitos dos canais nem lhe despertavam interesse. Mesmo assim, até esse pouco, caro demais.

Um aparelho, o principal, postado na sala de televisão, que de modo geral é o ambiente em que outrora se recebiam amigos e parentes em visitas longas e sem horário.

Um segundo ponto, no seu quarto.

Não tinha se completado nem sessenta dias, a televisão do quarto não abria. No lugar da imagem, aquele clássico (e irritante!) convite para desligar a tomada, aguardar cinco minutos e voltar. Tudo se resumia a uma ligeira falta de sinal, explicava a mensagem na tela.

Deixava, continuava o Dório no desabafo, bem mais de que os cinco minutos recomendados. Esperançoso ligava de novo. E nada.

- Nada, Ludo. Sabe o que é nada. Ah que vontade de...

Nessa segunda tentativa e sem resultado, vinha a sugestão para – essa a desgraça – se seguir a maldita (perdoem mas foi o vocábulo dito em tom ainda mais exasperado pelo Dório) orientação para novo colóquio com a voz sem rosto, corpo ou tamanho. Nem assim deu certo.

Veio então – conversa gravada de novo – a sugestão de uma visita programada, perante a qual Dório aquiesceu, sucumbido pelo cansaço e pela respiração arfante que dele se apoderara.

Numa tarde, aparece o técnico, gentil por sinal, confessou o Dório.

Explicou que lá no telhado, na ligação do cabo à antena, o serviço fora mal feito e algumas presilhas nem eram da marca dos utilizados na empresa.

Quase que o Dório perdeu a calma.

- Mas foram vocês mesmos os instaladores.

À noitinha – era nessa hora que a falha ocorria diariamente, entre dezoito e dezenove horas,  - a televisão do quarto funcionou. Viva!

O Dório no alongado relato ao amigo Ludo, não pronunciou essa exaltação – um viva. Modo de levar ao leitor mais ou menos o estado de espírito do maltratado Dório.

Dois meses depois, surpreendentemente, numa quarta feira com jogo do São Paulo e tudo, depois das vinte e duas horas como de hábito e o Dório já deitado, fone nos ouvidos para não atormentar a consorte, a televisão não pega.

Em vários dias seguidos, a falha, igualzinha, se repetia...

Dório reencetou todo aquele alinhavado repertório de contatos irritantes, que até acabara por decorar.

Como as medidas preliminares e corriqueiras outra vez não davam resultado, decidiu-se por uma nova visita.

Nessa altura, entra uma foz delicada, agora ao vivo, a solicitar ao Dório, como já passara bom tempo da primeira visita, que essa última seria cobrada. Algo como quarenta, cinquenta reais. Entretanto esperava a telefonista sua decisão, pois tinha que escolher entre essa taxa ou aderir sob contrato e pagamento mensal de algo como dez ou quinze reais para futuras visitas.

Dório quase deu um murro na televisão, ele mesmo confessa.

Ora, se as falhas existem, desde que não derivadas do próprio aparelho receptor dele, elas advém do mau serviço prestado pela própria concessionária. E assim ela ainda lucra escancaradamente com os próprios defeitos, dela.

Alex ouvira tudo pacientemente. Abraçou o amigo e lhe disse, tamanha a cordialidade de amizade tão velha:

-  Aguarde um pouco; vou sacar o dinheiro e já volto para um cafezinho.

É para isso e muito mais que existem os amigos de verdade.

A paciência do Alex, ouvinte atento, no final do relato do Dório, viu que até a cor natural da pele, no rosto do amigo, havia retornado.

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