Maria do Carmo Stucchi Liberatore (In Memoriam)
Há uma semana perdemos Maria do Carmo Stucchi Liberatore. Pensando bem, “perder” não é o termo mais justo: todos os que tiveram a satisfação de conviver com ela, na verdade, ganharam e muito. Eu, pelo menos, ganhei. Olhando para o passado, consultando os meus recuerdos, consigo perceber a tremenda importância que ela teve em minha vida e vocação.
Tive o privilégio de ser apenas mais um dos seus muitos alunos, naquelas salas antigas da então E. E. P. G. “Regente Feijó”, cravada no coração da cidade. Na “quarta série do primário” tudo era levado muito a sério. Ela não permitia que a chamássemos de “tia” e muito menos de “dona”: era a Professora Maria do Carmo.
Ao toque do sinal todos formavam fila, por ordem de tamanho, na frente da porta da sala de aula. A professora chegava e a abria para nós. Entrávamos sem correria (ai de quem corresse!) e parávamos ao lado da carteira escolar. A Professora Maria do Carmo respeitava todos os credos. Porém, sabendo da maioria católica na sala e sendo muito devota, fazia questão de iniciar as atividades do dia com a singela oração: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador...”.
Após a prece, preparávamos a carteira forrando-a com um plástico quadriculado, azul para os meninos e vermelho para as meninas. A professora conferia as carteiras, cobrava as tarefas deixadas no dia anterior, fazia ditado; testava nossa capacidade de leitura nos livros didáticos, ajudava-nos com os exercícios e nos pedia para resolvê-los na lousa.
A Professora Maria do Carmo organizava em sala de aula coisas que eram só dela, tiradas da sua grande capacidade pedagógica. Por exemplo: mesmo que a biblioteca do Regentão fosse enorme e repleta de bons livros, nós tínhamos a nossa própria biblioteca da classe. Cada aluno trazia um livro de casa e o deixava disponível para todos durante o semestre.
Além de incentivar a leitura, pois todos éramos obrigados a pegar ao menos um livro por semestre, essa atitude nos fazia desapegar do “meu” para compartilhar os “nossos” livros. Era uma festa quando ela abria o armário e colocava aquele monte de livros em sua mesa para escolhermos! Um verdadeiro intercâmbio cultural! “Esse é bom?”, perguntava um. “Eu já li, gostei!”, respondia outro.
Outro exemplo eram os seus concursos internos de redação. A cada semana os alunos de uma determinada fileira colocavam-se diante da classe toda para lerem seus textos. Havia uma votação para eleger a melhor redação. Findas as fileiras, ao fim do mês, dava-se então a “grande final”. Os alunos mais votados do mês apresentavam novos textos para nova avaliação da turma. O vencedor ganhava da Professora sempre um livro, daqueles bonitos, grandes e de capa dura. Os demais, como prêmio de consolação, recebiam gibis e livros mais simples.
A Professora Maria do Carmo, no que tange à sua dedicação ao Magistério, foi realmente mais do que uma professora, do jeito que alguns entendem ou se acostumaram nos últimos tempos. Não, não... Ela foi uma verdadeira “Mestra”, no sentido mais completo do termo. Não tendo filhos, éramos os dela ali na classe.
Ela tinha a severidade de uma mãe quando ensina algo importante. Mesmo infantis, conseguíamos perceber nisto a seriedade com a qual cumpria o seu dever e a genuína preocupação com o nosso aprendizado. Tinha também, em vários momentos e ocasiões, o afeto da mãe que se compraz por estar na companhia dos filhos, seus alunos. Quando alguém faltava, queria saber a razão, se estava tudo bem em casa, etc. Quando alguém ficava doente, compartilhava sua preocupação com a classe e depois se alegrava com o seu retorno. E quando merecíamos uma bronca, individual ou coletiva, bem... Era uma tremenda bronca! Mas que filhos nunca levaram um sermãozinho ou outro?
Ao saber do seu passamento, só tive sentimentos de gratidão a Deus por ter colocado no início da minha vida uma pessoa como Maria do Carmo Stucchi Liberatore. Com apenas dez anos de idade, tive a honra de aprender com ela a importância da oração, da leitura, da escrita, da Fé e da Educação como um todo. Era tudo muito sutil e minha mente de criança ainda não entendia as complexidades disso tudo. Mas as sementes que a Professora plantou em mim, as aptidões que me ajudou a descobrir, marcaram efetivamente a minha vida e os rumos que ela tomou.
Tempos atrás, já jornalista de carreira, escrevi sobre ela por ocasião de comentar o Dia dos Professores. O artigo foi publicado no jornal A Federação. Dias depois, a Professora Maria do Carmo apareceu na Livraria Maranatha, onde eu também trabalhava, para me agradecer. Deu-me como lembrança uma bela caneta, creio que a mais chique que eu tivera até então e está comigo até hoje.
Nas vezes que nos encontramos depois, em alguma igreja, na rua ou num restaurante de Itu, sempre acompanhada do Dr. Renê Paschoal Liberatore, sempre fiz questão de demonstrar cordialmente o meu carinho e gratidão. Este artigo publicado não renderá nenhuma outra caneta, pois a Professora não está mais entre nós... Porém, acredito que ela fará melhor: estando na presença de Deus e da Virgem Maria, intercederá diretamente por nós. Esse é um verdadeiro presente!
Maria do Carmo Stucchi Liberatore faleceu em 16 de maio, dia em que também faleceu São Simão Stock (1165 – 1265) e no qual a Igreja Católica recorda o seu exemplo. Foi para esse grande santo que Nossa Senhora do Carmo apareceu, em 16 de julho de 1251, para apresentar e instituir o uso do famoso “escapulário do Carmo”, uma veste de fé que nos une à Virgem Maria por devoção e que nos leva mais perto da nossa salvação eterna. Homem de fé, não creio em coincidências. Os devotos de Nossa Senhora do Carmo sabem dar importância ao dia 16...
Que a Virgem do Carmelo acolha com alegria, diante de Deus, dos seus santos e dos seus anjos, aquela que levou sua devoção o tempo todo no próprio nome. Enquanto o sinal não tocar aqui para nós, permaneceremos esperando a porta abrir. E então acontecerá finalmente o nosso reencontro com a querida Professora Maria do Carmo, uma mulher ímpar e que nos deixou tanto exemplos quanto saudades.
Amém.