Nkosi Sikelelí Afrika
Nas proximidades do Dia Nacional da Consciência Negra, me vem à memória um acontecimento histórico, de profundo significado para a humanidade. Aquele que foi, durante 27 anos, o mais importante preso político do mundo, o líder negro Nelson Rolihlahla Mandela, acabou por se tornar presidente da África do Sul, após um longo período de dominação da minoria branca. O fato foi merecedor de destaque pelo que representou na difícil busca de caminhos para a paz mundial.
Nos dias que antecederam a posse, lembro-me de ter acompanhado os noticiários pelos jornais e pela TV. Já era praticamente certa a eleição de Mandela nas primeiras eleições livres e multirraciais daquele pais. O primeiro passo, o que foi possível até aquele momento, foi de importância impar, apesar do árduo trabalho futuro para a resolução dos graves problemas sociais da nação negra: miséria, fome, desemprego, falta de habitação e de saneamento básico; enfim, a longa lista de dificuldades típicas de um país subdesenvolvido do terceiro mundo.
Vendo as cenas pela TV, pude presenciar várias cerimônias que foram de arrepiar de tão bonitas. Os primeiros parlamentares negros choraram ao adentrarem no recinto do legislativo, uma vez que nenhum negro tinha pisado naquele local até então. Na cerimônia principal, aconteceram algumas danças tribais para se desejar boa sorte ao presidente Mandela e ao país, além de também terem sido entoados alguns cânticos típicos. A importância do evento justificava a presença de importantes personagens da política internacional daquele período: o líder da OLP, Iasser Arafat; o presidente israelense, Ezer Weizman; o presidente de Cuba, Fidel Castro; o vice-presidente e a primeira-dama americana, Al Gore e Hillary Clinton e o príncipe britânico, Philip.
Fiquei emocionado ao ver a alegria daquele povo com tanta esperança no futuro. Embalado pela emoção, continuei, nos dias que se seguiram, a ouvir algumas músicas com temas africanos. Entre os vários CDs que tenho, um dos que gosto bastante é a trilha sonora do filme "Um grito de Liberdade". A película se baseia na história real do ativista sul-africano, Steve BiKo, que liderou os negros contra o regime de segregação racial e que, posteriormente, foi preso e assassinado pelo governo do apartheid. O filme é inspirado em livro de um jornalista, editor de um jornal local, que se tornou companheiro de Biko. Uma das músicas do filme, entoada no momento em que se mostra o funeral do protagonista, é uma bela cantiga do CNA, proibida durante anos e que se tornou praticamente o hino nacional do país. É difícil segurar as lagrimas quando se ouve aquela canção da resistência negra.
O acontecimento que possibilitou-me uma reflexão sobre a relatividade dos fatos que aceitamos como verdadeiros. É significativo ver um "bandido", o prisioneiro nº 466/64, que viveu 27 anos preso numa cela de 5 m2, acusado de ser terrorista e sabotador, se tornar presidente. Não é um paradoxo? Ou será que acreditávamos em algumas coisas que não eram bem como nos diziam? Afinal, ele era bandido ou o regime é que era tirano? Quantas bobagens as "autoridades" do mundo pregam em nome da manutenção do status?
A eleição de Mandela foi a alvorada da liberdade para a África do Sul. Eventos como esse nos permitem acreditar que, um dia, o homem encontrará o caminho que levará à harmonia. Uma pequena senda foi achada pelos sul-africanos liderados por um negro do povo xhosa. Que os nossos irmãos africanos, responsáveis por muito de nossa eclética cultura, trilhem a caminhada de paz e de alegria. Que na grande nação africana se construa uma sociedade humana e justa, onde os homens possam viver de forma harmônica independente da cor da pele. Que o povo do arco-íris, como disse o arcebispo e Nobel da Paz, Desmond Tutu, continue entoando e cada vez mais forte, aquela que se tornou a canção símbolo da luta contra a segregação racial, Deus Abençoe a África.