Publicado: Quarta-feira, 18 de julho de 2007
Normais, onde?
Anos de análise com a Dra. Vera, a levaram a uma vida com rotina normal e previsível. Desde a menor infância apresentava a nem tão conhecida Síndrome da Falta de Identidade. Diziam os estudiosos que essa doença era tão grave que merecia maior atenção das autoridades e principalmente das famílias dos pacientes.
Tinha poucas lembranças marcantes da sua infância, assim que nasceu, foi imediatamente reconhecida por ter os mesmos olhos da mãe, pelo queixo marcante da bisavó e pelo cabelo ruim, herança herdada por parte do pai, como gostava de ressaltar a observadora avó materna.
Já nos primeiros anos de vida, não tinha nome, era apenas reconhecida como filha única do Seu Paulo e da Dona Dirce. O inusitado foi que essa situação durou pouco tempo, para sua infelicidade, deixou sua posição anterior e recebeu a tão indesejável alcunha de irmã mais velha. Com o passar dos anos os pais resolveram colocá-la numa escola, momento oportuno pra deixar de ser o que quiser que fosse, e pudesse ser ela mesma. Já nas primeiras semanas, trouxe uma cartinha pra casa. No seu interior ela era diagnosticada como uma criança hiper-ativa.
Por tentar em tempo integral não se encaixar no perfil de tudo aquilo que deveria, por fazer justamente tudo ao contrário ao que seus pais diziam ser o certo, foi rapidamente reconhecida pela família como a ovelha negra. Quando era obrigada a ir à igreja era apresentada como sendo neta desgarrada de Fátima e Carlos, grandes benfeitores da paróquia local.
Na época dos namoradinhos, por ter pais supostamente mais liberais que a maioria de suas amigas, era considerada pelas outras mães como má companhia. Isso, numa cidadezinha de interior, já renderia por si só assunto pra mais de mês.
Nos anos do Ensino Médio não se conformava em ter que decorar a tabela periódica, ou saber a conjugação de verbos que jamais usaria. Não encontrava onde se encaixaria, em sua vida futura, as fórmulas de física. Por conta disso, durante as reuniões pedagógicas, apenas três aspectos eram necessários pra que os professores imediatamente identificassem nossa protagonista como a aluna em questão: indisciplinada, questionadora e com sérios problemas de adaptação.
Mesmo assim ela seguiu sua vida, ano após ano, sendo sempre alguém, sem ser ela mesma. Durante a faculdade passou de bicho pra veterana e, pra se tornar uma universitária rebelde, foi um pulo. Aprendeu a gostar de política e logo foi reconhecida pelos outros como alguém politicamente engajada, embora para a grande maioria da população, fosse vista como comunista.
Havia sofrido muito, tudo responsabilidade da tal Síndrome, tão clara aos olhos da medicina, mas tão obscura aos olhos do mundo. Era uma mulher totalmente diferente, forte. A análise tinha feito com que resgatasse dentro de si seu verdadeiro eu. Nunca mais seria outra pessoa senão ela mesma, seria Maria Carolina, pra sempre, sem nenhum adjetivo, ou referência a sua família, circulo social ou religião. Dera um basta nesses anos de sofrimento.
Encontrou o homem da sua vida, casou, resolveu ser feliz. Costumavam ir a um mesmo restaurante no centro; numa dessas saídas, enquanto o marido Fernando procurava por um lugar no estacionamento, ela se encaminhou à mesa predileta.
Assim que o cônjuge conseguiu achar onde colocar o veículo, encaminhou-se ao restaurante. Ao chegar à porta encontrou certo alvoroço, sem saber o que estava acontecendo, foi até à mesa, encontrar com a mulher e nada. Sob a mesa lia-se o papel ‘reservado para o Sr. e Sra. Fernando Alves’.
Foi rapidamente até a porta e perguntou o que se passava e lhe informaram que uma mulher de meia idade tinha arrancado às roupas e os cabelos em um ataque histérico. A descrição do garçom combinava exatamente à de sua mulher. Perguntou ao homem se era de Maria Carolina, sua mulher, que falavam. O homem não sabia dizer.
A única informação que tinha, era que a tal louca varrida era paciente da Dra. Vera, filha dos Moreira e neta de Dona Fátima e Seu Carlos, amigos de Frei Sergio da Matriz.
Comentários