Nosso irmão negro
Em 20 de novembro de 2005, a morte de Zumbi, o grande líder de Palmares, o mais famoso quilombo do século XVII, completa 310 anos. Assim, iniciam-se as comemorações de uma data muito significativa para o movimento negro, bem como para todos os que, independente de cor, nacionalidade ou crença religiosa, acreditam na possibilidade de se construir um mundo livre e fraterno.
Quilombos eram grupamentos de negros fugidos das fazendas de cana ou café, que existiram em várias partes do sertão, desde o século XVI. Os quilombos estavam formados por uma série de aldeias denominadas mocambos. Os reis dos quilombos eram eleitos pelos chefes dos mocambos, que na eleição do líder levavam em conta características como coragem e capacidade de mando. O mais importante dentre eles situou-se ao sul de Pernambuco, no atual estado de Alagoas, numa região caracterizada pela abundância de palmeiras (dai o nome). Este quilombo se organizou por volta de 1.630 e existiu durante 65 anos, tendo agrupado cerca de 30 mil fugitivos. Na fase de maior desenvolvimento, chegou a constituir-se praticamente num Estado.
A maior liderança do Quilombo de Palmares foi Zumbi, o rei que sucedeu o tio, Gamba Zumba, no comando da comunidade de ex-escravos. O rei negro resistiu e conseguiu fugir juntamente com outros vinte líderes, quando Palmares foi dizimado no final de 1.694. Consta que, em 95, Zumbi foi aprisionado e morto cruelmente pelas forças portuguesas. A derrota de Palmares foi imposta por um grupo de três mil homens chefiados por Domingos Jorge Velho, cuja má fama corria por todo o Nordeste. Eram famosos pela violência, roubos, crimes, mas serviam para os senhores de terras e para o governo contra os palmarinos.
A escravidão constitui-se numa infeliz etapa da história brasileira. Etapa que merece ser lembrada para que não se repita de alguma outra forma. Seres humanos foram aprisionados e tratados como “coisas” por outros seres humanos que tinham de diferente apenas a cor da pele (e o poder do dinheiro). O término oficial do regime escravocrata se deu em 13 de maio de 1.888. Muitos pensam que a libertação aconteceu com a promulgação da famosa Lei Áurea, atribuída apenas à bondade da Princesa Isabel. Quando a lei foi aprovada, de fato os escravos já estavam praticamente livres. O primeiro grande golpe no regime foi dado pela abolição do tráfico negreiro (1.850) por pressão dos ingleses (razões de mercado e não humanitárias). Antes ainda da Lei Áurea, haviam sido aprovadas pelo parlamento a Lei do Ventre Livre (setembro de 1.871) e a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe (setembro de 1.885) que na prática produziram quase nenhum efeito sobre o sistema escravista. A segunda lei, por exemplo, provocou a maior alegria entre os fazendeiros e não entre os escravos, pois com ela o proprietário poderia se livrar do peso de alimentar um escravo já velho e sem condições para o trabalho.
Depois de séculos de escravidão, a libertação dos aprisionados não veio acompanhada de nenhuma ação para se restabelecer a cidadania do negro que havia sido escravizado por tanto tempo. Assim, os negros ganharam a liberdade e mais nada. Sem terras, sem formação ou profissão, sem nenhuma assistência do Estado, a eles restou apenas morar em favelas ou cortiços das periferias. Até hoje, mais de 100 anos após a abolição oficial, de forma escamoteada ainda perdura o regime das diferenças entre negros e brancos; um “apartheid” disfarçado. O negro brasileiro ocupa os extratos sociais mais baixos, recebe em média um salário inferior ao do branco em cargos de mesmo nível e tem maior dificuldade de acesso aos benefícios sociais. Se os negros de hoje não estão no pelourinho, por outro lado ocupam a maior parte das celas das delegacias e das penitenciarias. Por que são eles os campeões nas estatísticas sobre analfabetismo e subnutrição?
Zumbi tombou lutando; grande rei negro morreu no comando de seus companheiros contra a opressão e na luta pela liberdade de seu povo. Qual lição nos terá deixado Palmares? E o exemplo de Zumbi? A felicidade coletiva e individual não serão possíveis enquanto existir opressão de alguns seres humanos sobre outros. Da Serra da Barriga, lá nas Alagoas, onde se instalou o famoso quilombo palmarino, ainda emana energia que deve nortear todas as componentes da “raça brasileira” na construção de uma nova sociedade. Que essa radiação humano-cósmica ilumine as mentes e sensibilize os corações de negros e brancos, fazendo então com que todos lutemos – uma luta pacífica - contra qualquer forma de opressão sobre o homem, e para que possamos construir uma sociedade onde se possa viver com dignidade. A luta de Zumbi não foi em vão. A nação brasileira ainda trilhará por exemplos de Palmares.