O colar
Miquelina ganhou do marido, no dia do casamento um rico colar de pérolas e diamantes que valia uma pequena fortuna.
Na época, ele era muito rico, mas, mais tarde teve contratempos e os dois acabaram a vida apenas com o suficiente para viver modestamente.
Mas conservaram o colar. Além de seu valor intrínseco, tinha o valor estimativo, a lembrança daquele dia inesquecível.
Miquelina usou pouquíssimas vezes a jóia, pois além do medo de perdê-lo ou mesmo ser roubada, raramente ia a festas que comportassem tamanho luxo.
Quando Miquelina faleceu a única filha Francine, naturalmente herdou o colar.
Também ela o conservou guardado em um cofre, usando-o muito raramente.
O marido de Francine era jogador inveterado.
Em função disso, tinham uma vida cheia de altos e baixos. Períodos de grande fartura e ostentação alternavam-se com outros de dificuldades, dívidas acumulando-se, compromissos assumidos na boa fase, impossíveis de serem honrados.
Por várias vezes, em ocasiões de grande arrocho, Francine aventou a hipótese de vender o colar, mas Samuel protestava:
- De jeito nenhum! Eu me sentiria o último dos homens se deixasse você desfazer-se dessa jóia de família. Pode deixar que eu resolvo. E sempre, de uma forma ou de outra acabava resolvendo mesmo.
Mas, algo terrível aconteceu. Samuel foi acometido por uma insidiosa moléstia. A sua única chance de curar-se era um dispendioso tratamento que só era feito no exterior e eles passavam justamente por uma das crises financeiras. Estavam sem dinheiro para a viagem. Estadia e tratamento.
Francine foi categórica:
- Chegou a hora de vender o colar. É a única saída que temos.
- Não! Vender o colar, não! Prefiro morrer!
- Que absurdo! Nada vale mais do que a sua saúde. Hoje mesmo vou a um joalheiro para fazer uma avaliação.
- Você não vai fazer isso! Eu não quero que faça!
- Vou, sim! Você está doente e doente não tem querer! Disse isso sorrindo carinhosamente em tom de brincadeira.
- Você não pode fazer isso!
- Por que não?
- Porque o seu colar não existe mais. Há muito tempo eu o vendi e mandei fazer uma cópia idêntica para colocar no lugar. Nem você nem ninguém perceberiam a falsificação.
- Eu não acredito que você fez isso!
- Fiz, sim! Havia um joalheiro que fazia umas imitações perfeitíssimas. Muitos amigos fizeram isso com jóias da família e eu fiz também. Queria o dinheiro para participar de um jogo milionário. Se ganhasse ficaríamos muito ricos. . . Mas perdi!
Francine estava arrasada! Fora-se a última esperança de cura do marido!
Ela não conseguia odiá-lo por tê-la roubado. A vida toda lhe tolerara as fraquezas, o vício, a irresponsabilidade. Ela simplesmente o amava do jeito que ele era e tudo que queria agora era que ele pudesse recuperar-se, mas sabia que isso era impossível.
A cada dia Samuel piorava e o fim se aproximava, mas ele ainda estava lúcido quando disse a Francine:
- Preciso dizer-lhe uma coisa muito importante.
- Pois diga.
- É sobre o colar.
- Esqueça isso, não tem importância. Eu já esqueci!
- Eu queria dizer-lhe que menti para você. Eu não vendi o colar. Ele continua no cofre, como sempre esteve.
- Mas, por que você inventou essa história?
- Porque não queria que vendesse o colar. Lembra-se quantas vezes falou em vendê-lo para sair de dificuldades financeiras e eu nunca permiti?
- Mas agora era diferente. Era sua vida que estava em jogo.
- Eu não queria ir para o exterior. Sabia que não ia adiantar nada e eu prefiro morrer na minha Terra.
Samuel se foi.
O colar continuou guardado até o dia em que foi herdado pela filha de Francine e foi participar de outras histórias, outros tempos, outras vidas. . .
Francine teve uma única filha que herdou o colar. Esta sua filha teve duas filhas e um filho, que, quando ela morreu já eram casados.
Os herdeiros do colar agora eram seis e começaram a desentender-se por sua causa.
Os irmãos achavam que a jóia devia continuar, como uma relíquia, guardada no cofre, como sempre estivera, mas os cunhados achavam que não. O justo, segundo eles, era venderem e repartirem o dinheiro.
A cunhada sugeriu que mandassem desmontar e fazer três colarzinhos com um design mais moderno, um para cada uma delas. As irmãs gostaram da idéia, mas os maridos não aprovaram. Acharam que seriam jóias muito valiosas para elas usarem. Era até perigoso serem assaltadas. Sem contar que o colar desmontado perderia uma grande parte de seu valor.
- Não!
E as discussões não tinham fim nem chegavam a qualquer acordo. Toda vez que falavam no assunto, acabavam discutindo e até brigando.
Eles, que até então tinham sido muito amigos, agora não conseguiam reunir-se para um jantarzinho em família sem que acabassem chegando ao polêmico assunto, discutindo, magoando-se.
Um dos cunhados, depois de uma acirrada discussão, chegando até a troca de ofensas, foi categórico. Disse que ia reclamar judicialmente os seus direitos sobre a jóia.
Diante disso, os outros resolveram contemporizar. Venderiam o colar e repartiriam o dinheiro.
Mas não foi tão simples quanto eles imaginavam. O colar não tinha qualquer documentação, nunca fizera parte da declaração de bens de ninguém, nem constara de nenhum inventário. Como podiam provar que era deles para vender?
Procuraram um advogado que lhes cobrou um bom dinheiro para regularizar a situação.
Agora a discussão era sobre quem devia pagar as despesas que decorreram de todo o processo. Nenhum deles tinha muito dinheiro nem estava disposto a gastar..
Os irmãos achavam que o cunhado que forçara a barra devia arcar com a despesa, mas, é claro que ele não concordava com isso.
Depois de muita desavença, chegou finalmente o dia de pôr o colar à venda.
Também aí encontraram mais dificuldade do que esperavam.
Os joalheiros não se interessaram pela compra. Era uma bonita jóia, verdadeira, antiga, de alto valor, mas não era comercial. Dificilmente conseguiriam vende-la pelo seu valor real e ter um lucro que compensasse o investimento.
Talvez um rico antiquário... Mas, onde encontrá-lo? Ricos antiquários não se encontram em cada esquina!
Vencidos pelo cansaço, desgastados pelas brigas frequentes, acabaram aceitando a oferta irrisória de um joalheiro espertalhão e entregaram o rico presente de casamento de seus bisavós por um pouco dinheiro que, decepcionados e constrangidos, dividiram entre si, com uma sensação de perda muito grande.
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