O mais molhado dos janeiros
Passeios e viagens programados, tudo sob conômetro, são bons, porque sair a plagas diferentes, sempre faz um bem tremendo.
Mas surtos em que de previsão, só se tem o destino e lá se deixa que as coisas aconteçam, ainda que sob eventuais percalços no caminho, desses jamais se olvida. São instigantes.
As chuvas de janeiro se apresentam desta vez em múltiplos lugares, de tal maneira abundantes e contínuas, que a mídia, a televisiva sobretudo, estampa imagens de enchentes e deslizamentos, que muitas pessoas até se disseram nem querer ver mais, de tão chocantes. O total de vidas ceifadas vai a mais de setecentas, sem se falar ainda dos que continuam desaparecidos.
Itu, conquanto não da maneira catástrófica de outras plagas, também experimentou acentuado desconforto com o alagamento não só de pontos costumeiros de anos anteriores, como de outros, tudo enfim inesperado.
A vida entretanto não para.
Com a idéia de aproveitar, semana passada, a segunda metade dela, uma extensão da folga que quase todos se atribuem no começo do ano, decidiu-se por uma chegada até Serra Negra. Precisamente para os dias de 13 a 16. É daqueles municípios aos quais sempre se visita mais uma vez.
Com as chuvas distribuídas para cerca de setenta por cento do território nacional, viajar, em princípio, seria desaconselhável. Mas a pitoresca cidade serrana é tão próxima. Vale tentar. Se chover mesmo, ao menos se descansa. O não fazer nada às vezes também é importante: dá-se tratos à bola e, nesse ensimesmar, muitas rotas podem vir a ser redirecionadas. Desvios e desvãos da vida pelos quais se envereda precipitadamente, incorporam-se à rotina desavisada e que, na verdade, cumpriria reformular.
Pois bem.
Saiu-se de Itu às seis e trinta. Debaixo de chuva, claro.
Escolheu-se percorrer o caminho por vias não convencionais. Primeira meta, Jundiaí. Itatiba em seguida e, de lá, Morungaba, com acesso pela Dom Pedro. Após Morungaba, Amparo à vista.
Amparo, sede de Diocese algo recente, cuja criação surpreendeu os ituanos, envolvidos na mesma época com rumores que davam como certa a criação do Bispado em Itu, tanto mais que se avizinhavam os seus quatrocentos anos. Enfim, essa, outra história.
Separam Amparo de Serra Negra, meros dezesseis quilometros, que dão a impressão de maior distância porque afinal se atravessa trecho acentuadamente montanhoso. Não era hora, entretanto, ainda, de se chegar a Amparo. Na metade do caminho de Morungaba para lá, eis que se enfileiram os veículos na margem direita da rodovia de si estreita, impedidos de prosseguir porque as águas do rio inundaram larga extensão da estrada. Além do que a chuva forte e de frente, sem trégua, impunha baixa velocidade. Esse bloqueio obrigou o retorno a Campinas para dali procurar-se abertura através de Jaguariuna e cidades seguintes. Assim se fez.
Na saída de Pedreira, avistou-se, contudo, - chuva, sempre e teimosa – o homem de capa plástica verde, funcionário do DER, a impor o retorno, uma vez que caíra a ponte no distrito de Arcadas e Amparo ficava sem acesso por ali também.
Empreendeu-se outra retomada do trajeto, até se chegar de novo à SP 340, rodovia Adhemar de Barros, para buscar Serra Negra via Moji Mirim. Que volta!
O rio intransponível em Morungaba e a ponte posta abaixo em Arcadas, tinham sido ocorrências daquela madrugada, sem tempo ainda de prévia advertência pelo DER.
Mesmo assim, sem protestos – passeio também é aventura e o desprogramado instiga mais ao desafio - prosseguiu-se na empreitada.
Introduziram-se os preciosos CDs, relíquia autêntica, das antiquissimas e imorredouras marchinhas do carnaval de antanho. Cumpriram o efeito de manter a moral alta e decidida.
Viu-se afinal despontar Lindóia, para dali se tomar o destino final, com entrada em Serra Negra, sob chuva atenuada, mas chuva ainda.
Eram doze horas e trinta minutos. O pouco mais de cem quilometros que se constituiriam no itinerário inicial, havia se transformado entre idas e vindas em trezentos e seis.
Como certamente sói fazer qualquer visitante, nesses três dias, foram visitadas localidades próximas, com um dia inteiro de ligeira passagem principalmente por Amparo, cidade amena, de casario centenário conservado.
Pode-se recordar, por ruas estreitas e avenidas amplas, o ano de 1961, em que ali se viveram dias inesquecíveis da mocidade, com endereço exato à rua Luiz Leite, 38. Nessa manhã, num café aconhegante, devaneio à mesa, se esteve a recordar nomes: Alamino, Pio, Nelson, Lazinho, Edmar, seu Orides, Décio, Disrael, Miota. Entre colegas de serviço no IAPI e companheiros na Escola de Comércio, uma infinidade de amigos.
Bem o diz o adágio popular: recordar é viver.