O Mundo é dos Espertos
Como todo cidadão que se preza, indignado com o desmascarar de corruptos, estelionatários, gente de má fé que ocupa os melhores lugares da república, aqueles destinados a quem se dá crédito pela dignidade e consciência que deveriam ter para gerir o que pertence a todos nós, hoje, sexta-feira, cheguei ao ponto máximo da minha ojeriza a tudo isto.
Enquanto um sacripanta conhecido, como Roberto Jefferson, tido e havido como colaborador de Fernando Collor de Melo, atira livremente para todos os cantos, a encenar o dedo-duro da turma, aquele que denuncia os outros para livrar o seu, alter Joaquim Silvério das riquezas do Brasil, escancarando a quem quiser ver, aquilo que estamos carecas de saber: que a corrupção corre à solta em Brasília, que se vendem aprovações de leis no Legislativo, que se compram decisões no Judiciário e que se indicam nomes a cargos do Executivo, apesar de vergonhoso, vemos algo que já fazia parte de uma prática fisiológica, corrente e “politicamente correta” em nosso país.
Ver uma secretária dissimulada, talvez ofendida por seu patrão, denunciá-lo, ganhando para isto, uma gorjeta polpuda da oposição silenciosa, também não nos choca profundamente. Outrora vimos um motorista pivô de escândalo que acabou em empeachment, patrocinado pela imprensa.
Para falar a verdade, isto tudo parecia irreal ou, ao menos, virtual, quando se falava de mensalão, de denúncias evasivas, de dança de cargos do Executivo; parecia distante do nosso bolso, da nossa realidade, do nosso mundo.
Hoje eu vi o outro lado, enxerguei o respingar da corrupção, do descaso com o cidadão comum, a injustiça nossa de cada dia. Vi uma senhora pobre, analfabeta, no oeste baiano, lamentar-se de ser “boba”, porque assinou por três vezes documentos que iam e vinham do cartório, que por fim lhe renderam quinhentos cruzeiros pela venda de suas terras, negócio assinalado nos livros de notas de sua cidade no valor de duzentos mil reais. Ela não sabe o que são duzentos mil reais, ela nem sabe quanto mediam as terras deixadas pelo finado seu marido.
O comprador, certamente intermediado por um escrevente falsário, é o tal publicitário, o corrupto número um, na crista da onda de lama que assolou Brasília. Marcos Valério lavou seu dinheiro com a compra de terras, ludibriando gente brasileira, gente como a gente, gente que, como nós, vota aguardando melhoras na saúde, na educação, acalantando o sonho de um país melhor. O Brasil está nas mãos de gente da pior espécie. Fosse na Grécia antiga lhe caberiam o ostracismo, a expulsão da cidade. Que pena que a cicuta foi abolida... haveriam de produzir-se doses cavalares ao Congresso Nacional, aos ministérios e autarquias do governo federal!
Marcos Valério é o distribuidor do dinheiro público e do dinheiro ilícito aos deputados. Sua parte no crime, chapiscada de lama, ele lavou em águas límpidas. Para tanto enganou gente que não conhece.
Covarde, que só quer enriquecer, é um homem indigno de ser chamado brasileiro, como aquela gente simples, roceira, sobrevivente em barracos. Ele se achou no direito de mentir, ludibriar e festejar essa ignomínia usufruindo de um modo de vida privilegiado.
O erro de hoje não é só do PT ou do PTB acusados de corrupção, nem do PSDB, que possivelmente possa estar por trás das denúncias. Quem vira vitrine se defende com dinheiro, ou quando este é denunciado, com cargos, como se está fazendo agora. O erro é de todos eles que estão jogando, há muito tempo. A cada tempo eles mudam de lado no campo das acusações, reproduzindo as práticas da vida colonial brasileira. Alguém ainda tem coragem de dizer que somos modernos! O erro de hoje é o de sempre: achar que o mundo é dos espertos.
Esta nossa moralidade construída nos desencontros de quinhentos anos de corrupção e uma desprezível confusão entre o que é público e privado, é o que deve ser reformado, antes da legislação, antes da composição ministerial, antes do combate às armas, à fome, à ignorância.
Nossa crise é cultural, nossa crise é moral. Enquanto falar-se em politicamente correto seremos vítimas da gente imoral que, incapaz de viver com o suor do próprio rosto, se esconde nas máscaras de personagens conhecidos. Mudam-se as máscaras, continuam os palhaços, já foi dito. Outro erro: os palhaços somos nós, gente honesta, de quem se ri.
Há que se fazer justiça!