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Publicado: Sexta-feira, 10 de novembro de 2006

O papagaio da Glicério

Os homens da prefeitura vinham todos os anos. Traziam cordas, escadas, serras e grandes tesouras. Durante alguns dias, o chão ficava cheio de galhos cortados das inúmeras árvores que se perfilavam da Praça da Bandeira até o final da rua, próximo à fábrica. Então, a turma toda brincava de construir esconderijos, empilhando os galhos uns sobre os outros e deixando livre um espaço interior com uma abertura lateral. Em outros momentos, nas noites de verão, as árvores permaneciam imóveis, quietas, atentas às conversas dos pais nas rodas que se formavam com cadeiras trazidas das casas. Após algumas horas, cessada a conversa, acabavam as brincadeiras e todos se recolhiam para dormir. A madrugada era silenciosa.

Em frente ficava a alfaiataria do Seu Nallin e a quitanda da Dona Marta, de onde, todos os dias, partia a carrocinha com verduras e frutas que seriam vendidas nos bairros. No açougue da esquina, a maior atração era o papagaio. Acostumado ao trânsito das pessoas, abaixava a cabecinha para receber um afago quando alguém lhe dizia: - Cosquinha louro, cosquinha louro! Lembro de que havia também uma loja de brinquedos onde comprávamos os fogos de artifício na época de São João. Completavam o cenário a sapataria do pai do Mecca, a loja do Fortunato, a relojoaria do Magnusson, a Foto Miro, a casa de materiais elétricos e a de tecidos do Seu Bechara Nader.

Ali jogávamos bola, trocávamos figurinhas e gibis ou discutíamos as próximas aventuras. Nos dias de chuva, soltávamos inúmeros barquinhos de papel que desciam levados pelas enxurradas. Quando havia vento, era a época de fazer voar as pipas. O tempo não caminhava. As reclamações aumentavam quando usávamos as calçadas como pistas para nossos carros de rolimã. À noite, os latões de lixo da loja de rádios e da relojoaria eram as fontes de onde tirávamos válvulas, engrenagens e outras peças para as nossas invenções.

Na época do colégio, as árvores já não existiam mais. Hoje, em Itatiba, os paralelepípedos estão sob o asfalto e as madrugadas já não são silenciosas. Após algumas plásticas, a relojoaria (do filho do Magnusson) e a loja do Fortunato são as únicas que bravamente resistem ao tempo. Às vezes encontro o Nallin filho, a Maria Amélia, a Ana, o Becharrinha - que hoje atende por Dr. Nelson. De outros recebo algumas notícias. Já não brincamos mais. Não há galhos para construir esconderijos.

O tempo não estava parado como imaginávamos. Agora, um é doutor, o outro é engenheiro e também há vários professores; todos são pais, mães e quase avós. Estão formados e bem informados. Será que eles têm notícias do papagaio?

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