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Publicado: Quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O portal (ou, carta a uma educadora)

Crédito: álbum de família O portal (ou, carta a uma educadora)
Porque a vida pode ser uma dança encantadora.

 

Este texto é dedicado à Professora Rosana Mattiassi, uma das maiores educadoras que conheci, e a todos os educadores que, aceitando suas deficiências, se dedicam ao estudo contínuo, na busca de soluções para nossos educandos.

 “Sonhar mais um sonho impossível , lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível, negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável, romper a incabível prisão
Voar num limite improvável, tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão, virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz

E amanhã se este chão que eu beijei, for meu leito e perdão
Vou saber que valeu, delirar e morrer de paixão

E assim, seja lá como for vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão”

                                                                                                                                           (Impossible Dream – Joe Darion)

             

Chegaste ao portal, estás em frente a ele.

Sei muito bem das batalhas, das noites e dos dias. Sei também da escuridão... Sei, gentil amiga, o sei muito bem, dos pés e das mãos feridas, e das pedras, de cada uma delas. E sei de como doem, e de como parecem infinitas as pontadas, como se estivessem destruindo a própria alma. Mas esta, indestrutível, nos conduz, intacta, ao final do corredor.

Chegaste ao portal.

“Ah! Eu vim pra te dizer, das noites que varei, no escuro a te buscar”

Chegaste, doce amiga, e agora terás que decidir. Agora sim a dor será profunda, ou o perfume será doce e suave.

Depende de você, só de você. Aliás, o tempo todo foi assim, ou não?

Mesmo quando você pensava que aquela voz falando ao seu ouvido, gritando à sua alma, lhe impunha a direção, a escolha era sua, sempre sua.

E acho que é sobre isso que lhe quero falar agora, sobre nossas escolhas.

Desde o princípio somos nós os responsáveis, cada um é responsável por si mesmo. Nenhum erro, ou acertos eventuais, a debitar a outrem, mas a cada um de nós mesmos. Débitos que se tornam créditos.

As vozes, milhares delas; Os empurrões, aos borbotões; Os barulhos de comunicação, trovões em nossos ouvidos. Tudo, tudo mesmo, esteve, e está, sempre ao largo. Só fazem parte da passagem, constituem-se em parte inseparável do caminho, de cada caminho escolhido. Mas não são nada mais que isso: Vozes e ruídos!

Respondemos aos gritos, blasfemamos, e nos retorna o eco; Chutamos o vazio, e acertamos a escuridão; Socamos o ar e atingimos paredes imóveis, muros mal caiados.

“De onde vem, afinal, meu Deus, tanto barulho?”. “Será que nunca tem fim?” “Será que estamos fadados a viver isso?”. “Será que existe, mesmo, este tal destino, e o meu é este, gritar ao vento, temer a tempestade e socar paredes, equilibrando aqui e ali, em muros mal construídos?”

“Meu Deus, responde!”. “Por favor, meu Deus, responde!”

Lá, ao longe, a nos guiar, apenas uma centelha, mãe primorosa de todas as chamas.

Apenas uma centelha!

Uma pequena centelha, que parece se apagar às vezes, mas está sempre apontada para o alto, retinha, nos dizendo que não se apaga e que ficará à nossa espera, até que, por direito sagrado, nos apossemos dela.

É isso mesmo, doce amiga, cada um de nós possui uma candeia, uma candeia que depende de nosso calor para continuar sendo lume eterno. Depende de nós, de nosso combustível, coletado em nossas inúmeras batalhas. E esta candeia fica à nossa espera, à espera de seu par.

Uma candeia só é graciosa quando conduzida por alguém. Uma candeia sozinha não tem a mesma graça, não tem o mesmo encanto, e não se multiplica. É como se precisasse ser fecundada por nosso olhar, como se precisasse ser tocada, tal qual a flor é tocada pela abelha... Ela precisa de nosso olhar.

Afinal, qual a beleza de um ser animado ou inanimado, que não é tocado por um olhar? Passa a ser algo inexistente...

Pois bem, lá longe, refletindo em nosso olhar e em nosso ser, sempre há, assim, uma centelha.  E cada um de nós tem a sua, que nasce no dia em que nascemos para a vida, para a caminhada.

Chegaste ao portal!

Agora poderá ver com mais clareza a beleza dessa chama, cintilante, no outro lado, a te esperar.

Chegaste ao portal e terás que escolher, com muito cuidado, a chave certa.

Só uma o abrirá, e a conduzirá, afinal, à liberdade plena, tão sonhada por muitos, desconhecida da maioria, e conquistada por poucos.

Só uma chave abre o portal, entre tantas outras, ilusórias, à sua disposição.

Não posso, não devo (e não o farei), lhe dizer, ou mesmo sugerir, que faça a escolha certa. Posso, se for para seu contentamento, esperá-la do outro lado para, juntos, seguirmos pelos campos da vida, felizes, carregando nossas candeias.

As chaves erradas (e como existem!), conduzem para outros corredores, que só estão ali para mostrar o caminho da volta...

Posso, também, isso sim, falar-lhe de minha própria experiência.

Notando que a maioria, iludida pelas quimeras e pelas ilusórias comemorações,  depois de toda uma caminhada, se perdia em frente ao portal. Percebendo que o final do corredor virava um imenso “salão de festa”, e me dando conta do imenso risco que isso representava, não titubeei:

Fixei o olhar em minha pequena centelha!

 

“Vidas que se acabam a sorrir, luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir

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