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Publicado: Sábado, 6 de setembro de 2008

O "Demônio" Roberto Marinho

Várias definições foram elaboradas para adjetivar o jornalista Roberto Marinho: um dos maiores empresários do país; gênio da comunicação nacional; nomeador de Ministros e Presidentes da República. Essas seriam as principais qualidades. Mas há também definições pejorativas, principalmente da ala mais rebelde da esquerda brasileira, classificando-o como um verdadeiro demônio, mancomunado com ditadores a fim de fazer crescer sua influência, receber favores e ver aumentar o capital de suas empresas.
 
Uma boa biografia é aquela que ajuda a desfazer lendas, a ver o homem de carne e osso por trás de um mito qualquer. Não se pode negar que Roberto Marinho seja um ícone do desenvolvimento da comunicação brasileira, estando hoje no mesmo patamar de pioneiros como Assis Chateaubriand (o Chatô, dos Diários Associados) e mesmo Sílvio Santos (do SBT), além das famílias Bloch (da extinta TV Manchete) e Saad (controladora da Rede Bandeirantes).
 
Por trás da lenda, levando em conta os comentários contra e a favor, é o que pretende o livro que leva o nome do fundador das Organizações Globo, nascido no Rio de Janeiro em 3 de dezembro de 1904 e falecido em 6 de agosto de 2008. A obra é assinada por Pedro Bial, outro competente jornalista, tendo sido editada pela Jorge Zahar Editora.
 
Não há como negar que o livro tenha um tom institucional. Afinal, sabemos que foi encomendada e supervisionada pelos filhos de Roberto Marinho, que herdaram o maior império de comunicação do continente. Em certos trechos há muita bajulação, o que nunca é bom. Mas devemos lembrar que, dentro das Organizações Globo, o "doutor Roberto" era sempre tratado como um deus inacessível para a maioria. Cruzar com ele em um dos corredores ou dividir com o mesmo um elevador, era caso de ser noticiado a todos os colegas.
 
O apuro jornalístico do material biográfico foi muito bem feito e não se podia esperar outra coisa no caso do fundador de uma empresa de comunicação. Os dados foram entregues a Bial, que colheu outras informações e condensou tudo em cerca de 300 páginas. São preciosas as histórias da Família Marinho, desde a chegada de seu avô português, a trajetória heróica de seu pai (o jornalista Irineu Marinho, fundador do jornal "O Globo"), bem como as lutas do próprio Roberto em suas empreitadas.
 
Confesso que eu não tinha elementos suficientes para fazer um julgamento sério dessa importante figura do jornalismo brasileiro. Admirava Roberto Marinho de longe, devido ao legado que deixou. Ao ler sua biografia, posso afirmar que a imagem "demonizada" que alguns fazem dele é exagerada. Não que ele seja um santo, pois o livro também enumera algumas passagens desabonadoras de conduta. Mas, sobretudo porque sabemos que ninguém é perfeito mesmo.
 
Bial e outros entrevistados, afirmam vários traços de personalidade de Roberto Marinho. Uma de suas características principais seria o senso de companheirismo, de sentir sempre jornalista apesar de ter se tornado o dono da maior empresa de comunicação do Brasil. Diz-se que gostava de tratar os funcionários como "companheiros", palavra que nos remete nos dias de hoje muito mais ao Presidente Lula. Nessa mania de chamar os funcionários de "companheiros", estaria demonstrada a sua humildade. O livro também conta várias passagens dignificantes, como alguns gestos de caridade de Roberto em favor de funcionários e amigos.
 
Ao término da leitura, a constatação mais honesta é a de que Roberto Marinho deve ser mesmo lembrando como um gênio empresarial, com uma enorme competência jornalística, grande visão de mercado, muita disposição para o trabalho, certa coragem em correr riscos e muita, muita vontade de viver.
 
Não foi à toa que faleceu com 98 anos de idade e mesmo assim costumava dirigir-se a seus colaboradores com a famosa frase introdutória: "Se um dia eu vier a faltar...". Dizia isso brincando, como se dissesse que poderia não morrer nunca. Mas na verdade percebemos que ele poderia estar mesmo falando sério, demonstrando assim sua enorme vontade de jamais deixar este mundo. De qualquer forma, tornou-se imortal: foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1993.
 
Melhor do que "demonizar" ou "beatificar" uma personalidade pública, fazendo um julgamento superficial, é ler, estudar e analisar sua biografia, para fazer uma análise honesta.
 
Amém.
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