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Publicado: Quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O tempo das nossas vidas

O tempo das nossas vidas
Caminhar para desejar o ponto de partida

Ainda que incomode algumas pessoas, retomo alguns assuntos propositalmente. “Todos temos dentro de nós temas que retornam, ressurgem, transfigurados, com diversas máscaras e roupagens, e insistem em aparecer: são os fantasmas de cada um” (Lya Luft). 

Tenho insistido na reflexão sobre o tempo. Talvez as despedidas forçadas e as escolhas assumidas tenham inspirado e reforçado em mim, ainda mais, o desejo de compreendê-lo: se é que o tempo pode ser compreendido. 

O fato é que o excesso das coisas a cumprir nos induz à sensação de que o tempo parece estático, imediato e que a vida é apenas então o que vivemos hoje. Não é verdade. A vida pode ser longa ou curta demais, não importa, porque ela é também o ontem e o amanhã. É o tempo da juventude, das amizades distantes e do carinho da mãe que já morreu. Ela é o tempo em que muitos de nós brincávamos nas ruas tranquilas da cidade ou vestíamos o primeiro uniforme escolar. É a boneca e o carrinho que ficaram no baú, e é também a imagem eternizada dos primeiros passos, das primeiras palavras desses nossos filhos que de repente acordam crescidos. 

Por isso, em muitas situações, percebemos a movimentação desse tempo. É como se tivéssemos revisitando as escolhas realizadas, as atitudes tomadas e as verdades construídas ao longo da vida. É quando descobrimos que passamos um longo período investindo no desenvolvimento intelectual, material e social sem dar conta do tempo a correr. E ele corre; como corre.  “O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do tamanho da eternidade, ele vai devorando tudo, sem piedade. O tempo não tem pena. Mastiga rios, árvores, crepúsculos. Tritura os dias, as noites, o sol, a lua, as estrelas. Ele é o dono de tudo. Pacientemente ele engole todas as coisas, degustando nuvens, chuvas, terras, lavouras. Ele consome as histórias e saboreia os amores. Nada fica para depois do tempo. As madrugadas, os sonhos, as decisões duram pouco na boca do tempo...” (Bartolomeu Campos Queirós)

O tempo que é inexorável tem me incomodado ultimamente... Primeiro, pelas marcas, embora tatue as histórias das nossas vidas, não deixa de nos perturbar a cada olhada de canto no espelho. Não pela beleza que se evapora, mas pela constatação de que o corpo não vai aguentar a realização dos desejos da alma. E segundo, pelas lembranças que volta e meia invadem os sentimentos, provocando a dor e a alegria da saudade (...).

Mas, a inexorabilidade do tempo se mostra mesmo quando descobrimos as delícias da ingenuidade, da liberdade do não saber, do “eterno domingo” e do barulho do silêncio. Nesse ponto, como que em desespero extremo, traçamos um investimento oposto: expulsamos conscientemente o sucesso, o poder, a fama, o prestigio social. E desejamos menos, quase nada. Exatamente como começamos.

Talvez a explicação da vida seja mesmo essa: percorrer um longo caminho para desejar o ponto de partida. “Não será verdade que todos os que podem andar têm de já ter percorrido este caminho?” (Nietzsche)

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