O tempo e a fita métrica
Se disser que me lembro, saberão que estou mentindo, mas posso afirmar que ela estava lá uma vez que minha mãe afirma ter eu nascido com 50 cm. O meu peso ela não sabe dizer, uma vez que nasci em casa e balança não tínhamos, mas a fita métrica estava lá como testemunha ativa do meu comprimento.
Meus filhos, que nasceram em maternidade, tiveram seus comprimentos constatados bem como as medidas de suas cabeças e tórax propiciando importante avaliação do grau de maturidade e estágio de desenvolvimento.
Conforme iam crescendo novas medidas iam sendo registradas no Cartão da Criança.
Quem nunca teve quando criança, normalmente utilizando a parede na parte escondida atrás da porta, uma série de tracinhos feitos, um acima do outro, gerando um gráfico de crescimento? A constatação do quanto se cresceu desde a última medição sempre foi motivo de comemoração, mesmo quando vinha acompanhado de um pito sobre ter que se alimentar saudavelmente deixando de lado as tão deliciosas guloseimas.
Sempre fui muito magra o que provocava verdadeira neurose na minha mãe que me fazia tomar aqueles fortificantes caseiros feitos com ovos de pata batidos com casca e tudo no liquidificador acrescido de Biotônico Fontoura. Isso nunca me provocou qualquer alteração na balança. O desespero aflorava quando alguma conhecida dela se referia a mim como sendo fraquinha e de pouca saúde. Por mais que eu dissesse me sentir bem e provar, através da minha energia, que era saudável e cheia de saúde, a magreza me condenava ao rótulo de raquítica.
Com a chegada da adolescência é que a fita métrica não ganhava trégua. Além da altura, o crescimento do busto, do quadril, da coxa, a diminuição da cintura entre outras eram medidas aferidas quase que diariamente pelas meninas. O universo dos meninos, de uns tempos para cá, não age de forma diferente. Eles também contam com o desempenho diário da fita métrica medindo o aumento do tórax, dos bíceps, dos tríceps servindo de parâmetro para aumentar ou conservar o número de exercícios realizados na academia.
Quando adolescente, eu sempre magrela, comecei a me sentir inferiorizada uma vez que minhas amigas, todas bem desenvolvidas, nunca eram barradas no cinema com censura para menores de 14 ou 16 anos, todavia eu...
Nessa época o padrão de beleza era o da Marilyn Monroe que conquistou a todos com suas curvas, porém eu era comparada à londrina Twiggy, magérrima, com enormes olhos, me fazendo detestar a fita métrica que insistia em constatar a mesmice das minhas medidas.
Hoje, após somar várias décadas de vivência, o qual o tamanho do busto, do quadril e da cintura já não ocupa a importância de outrora, mesmo assim não consigo deixar em uma gaveta qualquer a fiel fita métrica.
Ao esticar a fita métrica de 1 metro imaginando, com olhar otimista, ser ela a representação do caminho a ser percorrido durante a caminhada da vida, e diante dos 60 que aponta, me deparo com a evidência de que o tempo restante ocupa um lugar bem menor do que o tempo vivido.
Inicia-se então um sentimento de pressa imensa. A mesma pressa sentida quando pequena querendo crescer logo. Só que dessa vez a pressa é para que consiga experimentar, aproveitar, ler, viajar, amar, conhecer, viver tudo o que julgo ter direito, em uma velocidade tamanha tentando multiplicar o tempo restante.
A corrida é uma corrida ao contrário, o qual a pressa existe para que a vida ande devagar. Para que cada centímetro representando um aniversário, demore mais do que 12 meses, tornando possível realizar todos os sonhos e desejos planejados.
Não tenho o controle para impedir que o uso da fita métrica se encerre, mas tenho a ensejo de aproveitar com qualidade o tempo que resta. É nesse momento que passo a valorizar as pequenas e singelas ações, a apreciar o canto dos pássaros mesmo embaralhado a tantos barulhos, a sentir o perfume das flores a despeito da poluição, a inebriar-me diante da harmonia de uma bela canção, a estimar as palavras de carinho e os gestos de atenção praticando a generosidade, a gentileza, o respeito, continuamente. Procuro dar importância ao que realmente é importante tendo consciência do quanto é valioso o tempo que tenho, desfrutando dele com mais qualidade.
Feliz daquele que, quanto antes, consegue esticar sua fita métrica e aproveitar cada centímetro como se único fosse.
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