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Publicado: Sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

O trambolho

Estou fazendo uma reforma na minha casa. É curioso como uma coisa dessas é capaz de nos fazer olhar para tudo de um jeito novo. É como se cada parede, móvel, porta e janela ganhasse um significado diferente, porque a gente começa a ver coisas que não via antes.
Um exemplo engraçado aconteceu na semana passada. Percebi um tampo de mesa protegido por um enorme entorno de madeira, que estava esquecido em um corredor há exatamente 6 anos, desde que mudei para Itu. Um verdadeiro trambolho. Por incrível que pareça, todos na casa conviveram com esse “objeto inanimado” sem fazer nada para tirá-lo da frente. Quando me dei conta, pedi para as pessoas que estão trabalhando na obra tirarem o tampo redondo de dentro da madeira apodrecida que a protegia, joguei as madeiras fora e separei o tampo para fazer alguma coisa com ele. Nossa, que alívio! Que leveza, que espaço, que liberdade!
Isso me fez refletir. Fiquei chocada com a minha capacidade de conviver com um trambolho inútil por tanto tempo. Fiquei surpresa por não ter percebido o quanto isso era feio e incômodo. Fiquei impressionada por ter deixado isso acontecer, por não ter feito absolutamente nada durante 6 anos. Eu, justo eu, que busco uma vida simples, que prego a importância de reciclar, de não guardar coisas que não usamos por muito tempo. Ah, isso foi bom! A vida me pregou uma peça e eu comecei a rir. A gente acha que faz o que fala, mas vira a esquina e olha só...sempre tem alguma coisa que não estamos enxergando!
A reflexão não parou por aí. E se a mesa fosse uma situação? Um trabalho, um projeto, um relacionamento, uma amizade... Quantas vezes nós estamos com um “trambolho” em nosso caminho e nos acostumamos de tal forma que tropeçamos nele todos os dias e nem reparamos em sua existência? Acostumamos com o “trambolho” atravancando os nossos passos. Anestesiamos os nossos sentidos, desviamos o nosso percurso para não deixar o “trambolho” atrapalhar e vamos vivendo. Até que um evento externo – uma reforma, uma surpresa, uma tragédia, uma rasteira – nos faz enxergar aquele “trambolho” e o seu lugar em nossa vida. De repente, como se fosse mágica, a gente vê que aquilo está realmente atrapalhando. E que o “trambolho” pode mesmo ser um jeito nosso de viver, uma atitude, um hábito, um apego. E aí?
Podemos simplesmente continuar a deixar do jeito que está. É uma escolha. Ou podemos olhar o que aquilo tem de bom e o que nos atrapalha. E a partir dessa nova visão, buscar renovar, revigorar, transformar. É igualmente uma escolha.
Essa experiência foi muito divertida. Estou olhando com mais atenção para os “trambolhos” da minha vida. Eu sei que nunca vou dar conta de percebe-los no tempo exato que eu gostaria. Mas pelo menos, eu vou continuar tentando...

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