Publicado: Quinta-feira, 16 de outubro de 2008
O Último Abraço
O que você faria se soubesse que teria de abraçar alguém pela última vez? Se fosse avisado de alguma maneira, por um anjo ou um sonho, que a pessoa à sua frente irá partir para a eternidade tão logo se despeçam? Abriria seus sentimentos? Pediria perdão? Procuraria esclarecer assuntos nebulosos e mal resolvidos? Relembraria bons momentos partilhados? Traria à tona lembranças até então esquecidas?
O ser humano convive com uma certeza que faz questão de ignorar: a morte. Envolvidos com as tarefas do cotidiano e com algumas situações nem tão comuns assim, vamos nos enganando quanto à brevidade da vida. Não é o tipo de coisa noticiada pelos jornais. Por mais que tenhamos o hábito dessa leitura, nunca vi manchete ou reportagem que alertasse: “Lembre-se: você vai morrer”.
Até cunhamos algumas frases conhecidas quanto à morte. “Para morrer basta estar vivo”; “Da vida nada se leva”; “Caixão não tem gaveta”. Mas tal fato parece não nos preocupar, pois continuamos vivos, viventes e vivendo, dia após dia. Parece até que somos eternos. Vemos grande número de pessoas passar dos 85 anos, coisa rara até décadas atrás. E vamos nos iludindo com a sensação de eternidade que o mundo moderno também nos vende, com ares de juventude infinita.
Fato é que, assim que nascemos, temos apenas uma certeza na vida: vamos morrer. Não há outra certeza além dessa. Pode-se até discutir de qual maneira a morte chegará, mas o que não se pode discutir é que ela realmente chegará. Quando um ano termina ou ao completar um aniversário, alguém pode dizer: “Mais um ano que passou”. Por outro lado, também se poderia falar: “Menos um ano que vivi”. É a velha questão do “meio copo cheio ou meio copo vazio”.
Há uma questão inversa entre a parte intelectual e a parte biológica do ser humano. À medida que vivemos, vamos adquirindo mais experiências e realmente dando sentido ao termo “viver”. Acumulamos tantas ocorrências, positivas e negativas, formando assim a nossa personalidade e a nossa vida. Por outro lado, no que tange ao organismo, as células continuam envelhecendo e morrendo. São sempre repostas pelo organismo, até que aos poucos tal processo perde forças.
É senso comum que a velhice chega após os 65 anos, embora muitos idosos e principalmente os ativos participantes dos movimentos de Melhor Idade estejam aí para provar que velhice é também uma questão de mente e não de cronologia. Particularmente, penso que nunca envelhecerei, mantendo minha juventude até o último suspiro. Mas penso e reflito. Não vou me dar conta disso apenas ao chegar na terceira idade.
Em uma vida inteira, há tempo para muitas coisas. Crescer, conhecer, descobrir, experimentar. Sorrir, chorar, amar. Iludir-se, decepcionar-se, irritar-se. Brigar, discutir, agredir. Perdoar, abraçar, reatar. Conviver, perder, lastimar. Mas e se você soubesse que teria de abraçar alguém pela última vez? Se tivesse apenas alguns minutos para repassar todos os verbos acima, a fim de verificar se deixou algum deles de lado em relação à pessoa que brevemente irá partir?
Quando um conhecido perde algum ente querido, não falo nada sobre a morte. Porque nenhum comentário vai mudar nossa natureza mortal. As palavras dirigidas são aos que ficam, a fim de consolar e de se afirmar disponível como um ombro amigo. Para a morte, assim para os que ela leva, não adianta dizer nada além de adeus. E isso porque habitam outro plano, o da eternidade, que todos iremos conhecer também um dia.
O que você faria se soubesse que teria de abraçar alguém pela última vez? Talvez nada. Talvez ficasse atônito diante de tal conhecimento. Talvez petrificado, nem soubesse como agir. Talvez chorasse, ficasse pálido, tremendo. Ou então daria um abraço na pessoa à sua frente, por alguns minutos, sem nada dizer. Diante do inquestionável e do misterioso, palavras são supérfluas.
Amém.
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