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Publicado: Quinta-feira, 19 de abril de 2012

Olhe-se de frente

Pare.

A hora passa?

Não. A hora não passa. Ufa!

Verdade. Se você faz a pergunta – se a hora passa logo – é porque revela alguma impaciência, seja por estar sem nada para fazer, seja por estar à espera de alguém e chegou cedo demais, seja porque está a aguardar com alguma tensão o momento de qualquer ação ou compromisso.

Maior demora ainda acontece se você começa consultar o relógio seguidamente. Já se azeda por ver que também ele está lerdo nesse dia. Tão automáticas as consultas que olha o mostrador e sequer verifica a posição dos ponteiros. Sem falar nos suspiros.

Nossa, como a hora passou tão depressa!

Aí é diferente. Sua concentração num evento ou trabalho, em especial se eles exigirem mais tempo do que aquele disponível, então, aí sim, os minutos se atropelam. Numa prova escolar – para apenas um exemplo –são sete ou dez questões e a aflição o perturba. Será que vai dar tempo? Faltam só dez minutos. O raciocínio começa a ficar confuso, a memória desaparece, um branco imenso lhe povoa a mente. Toda essa preocupação pode realmente interferir no resultado.

Bem. Num e noutro caso, o relógio ou o tempo não andaram nem mais devagar nem mais depressa, obviamente. Isso a gente sabe.

Quer dizer, portanto, que o humor e o estado de espírito comandam as ações do homem. Ser calmo e equilibrado, tornar-se senhor de si e realista sem pessimismo, é privilégio de quase ninguém. A velocidade da vida moderna, suas exigências, a competição e a luta ou para sobreviver ou para enriquecer ainda mais, são condicionantes que no fundo escravizam o ser humano.

E daí? Daí que você, para uso de expressão vulgar, daí que você não é dono de seu nariz. Ora, a partir dessa perda de comando sobre si próprio, que tipo de diretrizes teria o cidadão que, eventualmente, responda por criaturas dele dependentes? Estas, ou se rebelam ou vão tentar conduzir-se a si mesmas ou ainda, se passivas, perecem com o superior.

De tudo que aqui se falou até agora, tudo buscou descrever uma situação lamentável, a da perda de identidade. A vida – se tal nome se possa dar a essa conjuntura – é aí, nesses casos, meramente vegetativa.

Tomara que ninguém, que leia esta divagação, se encontre nessa esfera de mesmice.

Entretanto, se mesmo fora desse risco, tiver alguém no dia a dia sintomas de repetição características de rotina, abra logo os olhos. Reformule-se antes de cair da rotina para esse mal maior daí de cima, a mesmice.

Sem nenhum intuito de auto ajuda, - seria por demais pretensiosa uma crônica nesse teor - é possível assim mesmo verificar que dois extremos são danosos, o de excessivos compromissos e agitação e o do nada ter por fazer, o marasmo. Ambos retiram da criatura – ser pensante por excelência – exatamente o domínio desse dom a diferenciá-la no reino da criação. Nesse círculo é que você vai localizar os baratas tontas e os velocíssimos senhores para os quais não bastam as 24 horas do dia e só sabem viver com o artificial recurso de alongar o tempo em páginas e páginas das agendas. Quantos, mas quantos mesmo não falecem com uma agenda de negócios e encontros marcados para o ano todo, o seguinte e, se ainda não estiver na agenda, ao menos coleciona mentalmente ideias outras para anos futuros.

De uma coisa podem todos ficar certos e seguros. Homens dessa estirpe... Diz-se mal – não há estirpe nenhuma.

Homens assim situados nunca poderão fazer versos. Cantar, nem pensar? Agachar-se para catar a flor silvestre, nunca. Nem as vê. Segurar na sua a mão dos amigos pouco mais que dois segundos; ele não saberia fazer isso. Perceber as maravilhas do céu, no entardecer ou quando o sol se anuncia, ver beleza também nas nuvens densas, precursoras dos vendavais; que a lua cheia ou metade dela sempre encantam;  olhar demoradamente para o rostinho e os olhos dos inocentes;  ousar a iniciativa de uma reconciliação de quem tanto se gostou no passado e de quem agora até saudade a gente tem; ser simples e ter paciência de ouvir o reclamo do mendigo; não fechar a cara para o menino chato que mente que vai olhar seu carro; parar, sentar-se um pouco, deitar-se à sombra da figueira imensa (há quanto você não faz isso?); andar descalço, percorrer longo caminho na praia de apenas pés molhados; rezar também só para louvar e agradecer sem nada pedir; chorar sem se envergonhar por isso na tristeza ou no infortúnio; permitir que a emoção lhe traga júbilo sem o pejo tolo de que o julguem fraco; viver enfim.

As mulheres em especial, prezem sua feminilidade. Continuem dóceis sem serem submissas, frágeis sem serem fracas, ah como devem ser felizes as mulheres que não sabem gritar. Algumas, de nem falar mais alto conseguir, ter em si essa adorável docilidade e meiguice. Encantadoras. A mulher – a verdadeira – é quebradiça, delicada como a porcelana, independentemente do porte físico que apresente. Afinal, sabem elas que sua aparente fragilidade é na realidade suporte importante para os homens.

Pare meu amigo. Pare principalmente se você é jovem. Não alie mocidade com insolência. Respeite os de mais idade. Não se julgue o sabe-tudo porque ainda não viveu o suficiente para perceber quanto o tempo nos ensina na vida.

Pare meu amigo. Já está você na idade provecta? A longevidade, os muitos anos vividos, se mesmo depois disso não se cuidou e não sorve o que de mais sublime pode haver na vida, ou seja, a simplicidade, pare meu amigo e se recomponha.

Tenha coragem de tornar-se poeta mesmo à custa de não saber fazer versos. Mas não se intitule a si como tal. O diploma de poeta é conferido pelos outros. Nesse pormenor não existe auto outorga. Ser poeta é muito mais estado de espírito. Como disse alguém outro dia, ser poeta é trazer beleza ao mundo.

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