Oração dos mortos, para os mortos-vivos
É comum, depois que uma pessoa morre, ouvirmos dizer que era uma pessoa maravilhosa, um pai exemplar, uma mãe dedicada.
Neste dia de finados, especialmente (e sinto muito por isso), é comum vermos procissões de saudosos visitando o cemitério, visitando a casa da “antiga família”, falando da saudade que sentem, resgatando momentos preciosos (E sempre existem momentos preciosos, quer reconheçamos ou não, aqueles momentos de mãos dadas na praia, de dormir no colo, de sentar à frente da TV, de comer pipoca no parque, de fazer “xixi” no colo, de um almoço especial, do primeiro carnaval, da festa na igreja, do primeiro dia na Escola, do primeiro caderno, da primeira aula de volante, da primeira aula de música, de um presente inesperado...)
Este poema, que retrata, e resgata, a percepção do Poeta, é dedicado a você, que ainda tem tempo de declarar seu amor, sua gratidão pela vida. Sim, pela vida, pelo existir, sua alegria por ter estado, ou por estar, ao lado de alguém...
È dedicado a você que vai ao cemitério pagar tributo os mortos, mas não vê os vivos ao seu lado; Vai à igreja, a todas as igrejas, centros, terreiros, orar pelos mortos, mas não sabe ser bondoso com o vivo que está ao seu lado, em sua vida.
A ingratidão toma várias formas em vida, mas não tem como existir e persistir na morte...
E depois dela as lembranças são como brasa penetrando a alma e queimando o coração.
Uma chama que não se apaga, e não se aplaca.
Declare seu amor agora, não depois.
Ah! o depois....
Oração dos mortos, para os mortos em vida
Que bom que vem me visitar
Mas é uma pena que agora estou morto
Que bom que quer conversar
Mas agora já não posso responder
Que bom saber que faz uma oração por mim
Mas é pena que não mais a posso sentir
Que bom que você me reconhece em sua vida
Pena, muita pena
Que não mais o posso reconhecer
Que alegria tê-lo por perto
Mas é triste, triste mesmo
Que não mais podemos nos abraçar
Que bom saber de seu novo perfume
Saber de suas conquistas, saber de suas alegrias
Das conquistas e alegrias dos seus...
Mas que pena, pena mesmo
Que agora, depois de tantos anos
Não as posso compartilhar contigo
É uma imensa alegria receber sua visita
Saber que reconhece minha vida
(O resultado de uma vida inteira de amor, dedicação
abdicação e compreensão)
Ainda pulsando em sua vida
Mas é uma pena, puxa vida, é pena mesmo
Que este pulsar não possa mais ser sentido e vivido
Como uma vívida lembrança de um tempo feliz
...
As visitas precisam ser feitas em vida
As orações precisam ser feitas à volta da mesa
Mãos dadas, corações unidos, amor à flor da pele
A cada final de semana, a cada feriado
A cada Natal, a cada Ano Novo, a cada Páscoa
Renovando a alma, renovando as esperanças
As conversas, aquelas conversas intermináveis
Onde mais se ouve do que se fala
Onde mais se aprende do que se ensina
Onde se deixa o sentimento aflorar
(E se deixa sentir)
Aquelas conversas infindas, que adentram o infinito
E se assentam
Restam em nosso coração pela vida toda
Ah! Aquelas conversas...
Precisam ser feitas em vida
Não na morte!
Esta, a morte, nada mais ouve
E nada mais responde...
As conquistas, as vitórias
As buscas e os encontros
Os retrocessos e os avanços...
Devem ser compartilhados em vida
(Eu gostaria de tê-los compartilhado com você
tê-los sentido e me emocionado, mas com você, em vida
ter sorrido e chorado com você, mas em vida)
A gratidão deve ser expressa de forma serena, clara, límpida
Mas em vida...
Sei, e você sabe, de minha importância em sua vida
Não precisamos falar disso, não precisamos...
Só sentirmos, mas em vida..,
Quando o brilho do olhar ainda pode iluminar o outro olhar
Muitas vezes perdido, cansado...
Cansado de tantas perdas, apesar de tantas buscas
Cansado de procurar a luz do sol, depois de tantas noites
...
Você ama, ama mesmo?
Não o diga só depois da morte
Diga-o em vida
Grite este amor em vida
Fale deste amor em vida
Seja grato pelo nascer e por do sol ao lado de quem ama
Mas em vida...
Na morte não faz muito sentido
(a morte é sem sentido)
Não deixe para depois
Pois depois, como um morto-vivo
Você sentirá a morte
E pela vida toda...