Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Ouro dos Tolos

Ouro dos Tolos
corbis.com
Sempre me achei esperta acima da média, não que isso tenha feito alguma grande diferença na minha vida, não sou dona de nenhum grande império, nem controlo a massa. Cheguei a fazer vários daqueles testes que calculavam o grau de inteligência de uma pessoa, essas coisas tão comuns nos anos 80, até aí tudo bem, meu único e verdadeiro problema era a bendita matemática.
 
Aqueles absurdos problemas em que se dava idade de um, e imaginando que o próximo fosse talvez mais novo, tantos anos, tinha a idade do terceiro mais velho em dobro, dividido pela do pai, menos a da mãe, dividido por cinco, perguntava-se a idade de cada um! Qual é a utilidade por trás disso? Quem é que se importa com a idade de cada um deles afinal? Vou presa por conta disso?
 
Outro problema que me tirava do sério era aquele que apresentava uma equação matemática com números somados, mas com resultado impossível e você tinha que mover apenas um palito para torná-la correta. Admiro quem manipula a matemática com total intimidade. Ela deve ter lá seus mistérios e encantos, estou convencida disso, mas eu sou daquelas que vê graça em outras coisas, ela é muito mais inteligente que eu. Eu segui vivendo muito bem sabendo dessa minha limitação, até o dia de ontem.
 
Sou notívaga e, assistindo ao canal do boi, leilão persa, canal de vendas, me deparei com um apresentador que em breves palavras duvidou da minha inteligência.
 
Era um programa independente, onde um apresentador ficava andando de um lado para o outro, supostamente falando com o pessoal da produção, pedindo a todo instante que o preço a ser ganho em barras de ouro, subisse porque o problema era muito difícil e ninguém conseguiria acertá-lo.
 
Pela primeira vez na minha vida uma equação fazia sentido. Era só transformar o 5 em 9, mexer um palitinho e a conta se tornava correta. Peguei o telefone e comecei a discar o número que pulava na tela, fiquei preocupada com o valor de ligação para celular em Curitiba, mas depois de constatar o avançado da hora, me despreocupei e iniciei um questionário pelo telefone.
 
Eram perguntas simples, que deveriam ser respondidas com “sim”, discando o número 1, ou “não” pelo número 2. Os temas eram dos mais variados, bandeiras, rios, crustáceos, músicas, escritores. A cada acerto uma salva de palmas e a cada erro uma mensagem de encorajamento.
 
Eu acompanhava tudo pela TV enquanto digitava as respostas. A pessoa que somasse a maior pontuação entraria ao vivo para mover o palito e se acertasse receberia em casa cinco mil reais em barras de ouro. Eu estava convencida de que ninguém àquela hora da madrugada pudesse fazer tantos pontos quanto eu. Fui colecionando acertos, muitas palmas, o apresentador olhava diretamente nos meus olhos, e continuava a duvidar da minha inteligência. Continuei digitando.
 
Na tela apareciam nomes de participantes e seus respectivos prêmios e aquilo foi me enchendo de esperança. A cada acerto, uma voz metálica indicava minha pontuação, ao mesmo tempo em que o apresentador ameaçava trazer ao ar uma suposta ganhadora. Tinha que ser eu, claro!
 
Finalmente tinha vencido a amedrontadora matemática. Olhava crédula para a tela de TV, mentalmente movia o palitinho e acertava a equação. Já me via recebendo o prêmio aqui em casa, 5 mil reais em barras de ouro, meu coração estava disparado, sentia até calor.
 
De repente, perto de completar trinta acertos, após permanecer no telefone por mais de quinze minutos respondendo perguntas e conferir a reação do apresentador, fez-se um longo e tenebroso silêncio. A linha tinha misteriosamente caído. Só se ouvia agora o tum-tum-tum característico de ligação finalizada.
 
Não saberia dizer de quem tinha mais ódio, de mim, do apresentador, da matemática, ou da insônia que me fizera passar por toda essa situação.
 
Respirei fundo, proferi algumas palavras de baixo calão em voz baixa, me senti a mais enganada das criaturas, mas permaneci pacientemente acordada pra ver o desfecho do golpe, digo, do programa. Depois de mais uns quarenta minutos de pura “enrolação”, entra no ar um homem, mexe o palitinho, acerta a equação e leva pra casa minhas barras de ouro.
 
Inconformada, desliguei a televisão, fui escovar os dentes e nem tinha coragem de me olhar no espelho. Estava com vergonha de mim, da minha ingenuidade. A grande sabichona tinha caído no golpe. Tinha perdido tempo e dinheiro, mas pior não era isso, o pior de tudo é que nem uso ouro!
Comentários