Palavras bonitas, palavras difíceis
Tenho uma colega jornalista que costumava expor em seu mural do Facebook, com certa periodicidade, palavras que ela considerava bonitas. Não sei ao certo o que ela entendia por beleza neste aspecto tão específico, mas suponho que seja uma ideia que fala por si, que sirva para enfeitar um texto ou que apenas seja agradável. Destas que com certeza poderiam ter sido substituídas por outras sem perder o sentido, mas que sua presença rendem um tom que alguns costumam entender por arte, literatura, poesia, ou a designação que mais lhe agradar.
Muitas delas, palavras difíceis. Idiossincrasia. Paroxismo. Defenestrar (esta já entrou no gosto popular). Interpretadas ora como pedantismo e arrogância intelectual do autor por alguns, ora como estilo de escrita ou mesmo costume. Mas elas existem. Eu mesmo já recebi uma porção de críticas em relação a isto e, tentando considerá-las, busco em outros profissionais da comunicação uma forma de adaptação. Simplificação.
É curioso como o aprendizado se desmancha no ar tanto quanto Marx imaginou ao proferir sua frase de tantos significados (em outro contexto e para outros fins, é claro). Chega a ser mais volátil que o sentimento das pessoas. Lembro de receber aulas de redação no ensino médio em que a professora estabelecia uma tabela de palavras difíceis a serem usadas com mais frequência em nossas dissertações. Eu consideraria, hoje, bem mais difíceis que estas poucas que citei como exemplo. Ensinou também alguns parágrafos chave, formas de iniciar o texto padronizadas. Para dar solidez à argumentação, ela dizia.
Minha teoria é outra: preocupada que os alunos não fossem capazes de construir senso crítico em tão pouco tempo para vencer seu maior algoz, também conhecido como vestibular, a educadora optou por legitimar na prática aquilo que o filósofo Daniel Dennett chamou de postura física, postura de projeto e postura intencional: não há tempo de pensar a física dos movimentos de um leão antes de fugir de um ataque, então fugiríamos por supor que ele vá atacar, mesmo desconhecendo em detalhes o funcionamento do corpo deste animal. Você simplesmente foge. Você simplesmente escreve. O vestibular é um leão que você não tem tempo para refletir sobre seus movimentos como gostaria.
O leitor logo dirá: "que absurdo o método desta professora! Não se pode eliminar as fases do aprendizado!" Pois argumente assim com os responsáveis por provas, testes e vestibulares, não com ela. O resultado prático foi além do esperado: os piores alunos da sala passaram a desenvolver redações melhores. Pude testemunhar o êxito de muitos deles no vestibular daquele ano específico, mesmo sem ter um grande conhecimento de escrita. A professora foi pragmática e concluiu seu objetivo, ao menos a prazos curtos. Não que eu concorde com tal estrutura, mas como eu e você bem sabemos, ela é bem maior que a dinâmica de um professor e seu aluno.
As palavras difíceis estão em todo o lugar. Penso até que seja tarefa complexa saber por quanto tempo elas serão designadas desta maneira. O termo desconhecido de hoje fica claro amanhã, basta evitar excessos. Paroxismo define a intensidade extrema de uma doença, paixão ou sentimento. Uma palavra definindo cinco com muito mais elegância, na minha opinião. Idiossincrasia define um conjunto de características que formam um comportamento peculiar. Outros cinco espaços que ficaram melhores preenchidos pela beleza única desta palavra difícil. Defenestrar é a mais divertida de todas, como já definiu Luís Fernando Veríssimo em uma de suas crônicas mais conhecidas. Fiquemos com a reflexão do escritor:
"E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. "Defenestração" vem do francês defenestration. Substantivo feminino, ato de atirar alguém ou algo pela janela. Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal,não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?"