Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Picareta pesada

Os blocos anteriores tiveram os seguintes títulos:

Ele veio de Minas; Havia uma igreja:e, A ordem para demolição.

Realidade e ficção se entremeiam.

Nas três primeiras semanas deste mês de outubro, reunidas as partes, desenrolou-se a história do jovem casal, Pedro e Dora, mineiros, vindos a Itu, provenientes de Montes Claros.

Hoje, na sequência, - Picareta Pesada - o quarto e último capítulo. O ápice e a conclusão de todo o relato.

Longo silêncio de novo.

O empreiteiro olhou ao derredor e sentenciou: tampouco serei eu o homem que vai passar à história, por destruir um espaço tão sagrado; vocês têm razão.

Tirou o chapéu, coçou a cabeça servida de poucos fios de cabelo, bem esticados, e sugeriu. Justamente por não ser morador local nem nascido em Itu, que o já amigo, Pedro Pequeno, prestasse esse favor.

Pedro ficou estarrecido. Curiosamente, ele, por ser de menor estatura, costumava usar uma picareta de dimensão diferente e mais leve. Deus há de entender, pensou na sua simplicidade e respeito. Adiantou-se e se postou bem perto do mais venerado dos locais da casa de oração, que durante longos anos agasalhara as partículas sagradas, sob as preces e a adoração dos fiéis.

Tentou levantar a picareta, mas suas forças não conseguiam tirá-la do chão. Como que presa ou porque de repente se constituísse de um peso muito superior ao dela mesma, permanecia inamovível.

Ao virar-se, notou que era observado atentamente pelos colegas, estupefatos como ele.

Ajeitou de novo a picareta, com mais vagar, postou a perna esquerda mais para trás como que para lhe permitir desforço maior e mais seguro e... nada. Simplesmente não conseguia tirá-la da rés do piso.

Sem palavras, ofereceu a picareta aos colegas.

O mais robusto, de tez avermelhada, ainda com suor pendente na fronte e por detrás das orelhas, segurou bem firme no cabo da ferramenta. Tentou o golpe, suspirou e até se ouviu escapar dele uma espécie de gemido por entre os lábios duramente comprimidos, mas sem resultado.

Outros dois, talvez mais por curiosidade, tomaram então daquela verdadeira arma e, da mesma forma, nada conseguiram.

Ainda faltavam duas horas para o término da jornada diária.

Seu Gonçalves, chapéu reposto, proclamou: vamos embora! Amanhã a gente vê o que faz.

Silentes, cabeça baixa, comovidos, um a um, retiraram-se os operários.

Ao que se sabe, nunca homem algum dali relatara o ocorrido, seja em casa ou perante amigos. Afinal, a tal se comprometeram. Mesmo assim, também esse prodígio um dia veio a público.

Não tinha decorrido o tempo necessário de chegarem a suas casas e uma chuva se abateu sobre Itu. Desprevenidos, chegaram encharcados.

Mas a chuva passou, com a mesma rapidez com que surgira.

Na manhã seguinte, de sol claro, daquela luminosidade que caracteriza todo o município e terras limítrofes, eles percorreram o mesmo trajeto de todos os dias, uma rotina afinal, no duro labor de seu ganha pão.

Pedro à frente, o primeiro a entrar, um tanto distanciado dos demais.

Retorna correndo e quase grita, logo ele tão comedido, a gesticular com o braço e a mão, naquele sinal característico de quando se convida a uma aproximação mais rápida e urgente:

- Venham!  Venham ver!

O local do sacrário estava caído, um amontoado de terra e pedriscos ainda um pouco úmidos da chuva da véspera. No topo dele, de terra leve, bem ao centro, brotara um ramo de delicada e graciosa flor silvestre que, pequenina de natureza, não poderia no entanto já estar tão desenvolvida, no seu tamanho natural, nas poucas horas de uma única noite.

                                                                   (  F I M  )

Comentários